sábado, 23 de abril de 2011

Ser livre...

Visitante: Se eu sou livre, porque estou em um corpo?

Maharaj: Voce não está no corpo, o corpo está em você! A mente está em você. Acontecem a você. Existem porque os acha interessantes. A sua própria natureza tem a capacidade infinita de desfrutar. Está cheia de animação e afeto. Ela derrama seu brilho em tudo o que entra no seu foco de consciência, e não exclui nada. Não conhece nem o mal nem a feiúra; ela espera, confia, ama. Você não sabe quanto perde por não conhecer seu próprio ser real. Você não é nem o corpo nem a mente, nem o combustível nem o fogo. Eles aparecem e desaparecem segundo suas próprias leis.

Você ama o próprio ser, isso que você é, e tudo o que faz o faz pela sua própria felicidade. O seu impulso básico é encontrá-lo, conhecê-lo, apreciá-lo. Você ama a si mesmo desde tempo imemorial, mas nunca sabiamente. Use o corpo e a mente sabiamente ao serviço do ser, isso é tudo. Seja fiel a seu próprio ser e o ame absolutamente. Não finja amar os demais como a si mesmo. A menos que os compreenda como um consigo mesmo, não poderá amá-los. Não finja ser o que não é, não recuse ser o que você é. O amor aos demais é o resultado do auto-conhecimento, não sua causa. Nenhuma virtude é genuína sem a auto-realização. Quando souber, sem qualquer dúvida, que a mesma vida flui através de tudo o que existe, e que você é esta vida, você amará tudo, natural e espontaneamente. Quando compreender a profundidade e a plenitude do amor a si mesmo, saberá que cada ser vivo e o universo inteiro estão incluídos em seu afeto. Mas, quando você olhar para qualquer coisa como separada de você, não poderá amá-la porque a teme. A alienação causa o medo e o medo aumenta a alienação. É um círculo vicioso. Apenas a auto-realização poderá rompê-lo. Busque-a resolutamente.

Isto levanta duas questões: A primeira, qual é o ponto de partida para conhecer inclusive o próprio corpo? Em outras palavras, existe algo dentro do corpo na ausência do qual você não seria capaz de conhecer seu corpo ou o de algum outro? A segunda: Teria o mestre uma idéia clara sobre sua própria ‘identidade’ na medida em que ele mesmo está implicado? Se ele não é o corpo, quem, ou o que, ele é?

O corpo é apenas um instrumento, um aparato que seria totalmente inútil se não fosse pela energia interior, a alma, o sentido ‘eu sou’, o conhecimento de estar vivo, a consciência que concede o sentido de estar presente. De fato, esta presença consciente é o que se é, e não a aparência fenoménica que o corpo é. É quando esta consciência, sentindo a necessidade de algum apoio, identifica-se erroneamente com o corpo e abre mão de seu potencial ilimitado pela limitação de um simples corpo particular, que o indivíduo ‘nasce’. Este é o primeiro ponto sobre o qual o próprio mestre deve ter uma firme convicção intuitiva. 

Outro ponto básico é que o mestre deve também ter uma compreensão muito clara de como a união entre o corpo e a consciência aconteceu. Em outras palavras, o mestre não deve ter dúvidas de forma alguma sobre sua própria natureza verdadeira. Por isto, deve entender a natureza do corpo e da consciência e, também, a natureza do mundo fenoménico. De outro modo, tudo o que ele ensina será apenas conhecimento emprestado, obtido pela audição, conceitos de algum outro.

V: Esta é exatamente a razão pela qual estou aqui. Deverei permanecer por cerca de uma semana e assistirei às sessões da manhã e do anoitecer.

M: Você está seguro que está fazendo a coisa certa? Você veio aqui com uma certa quantidade de conhecimento. Se você persistir em escutar-me, você poderá chegar à conclusão de que todo conhecimento não é mais que um punhado de conceitos inúteis e, inclusive, que você mesmo é um conceito. Você será como uma pessoa que compreende repentinamente que suas riquezas acumuladas se transformaram em cinzas durante a noite. O que você pensará, então? Não seria melhor, mais seguro, retornar para casa com sua ‘riqueza’ intacta?

Permita-me explicar isto de maneira concisa: Seu corpo é o desenvolvimento da uma emissão resultante da união de seus pais, concebido no útero de sua mãe. Esta emissão era a essência do alimento consumido por seus pais. Seu corpo é, portanto, feito desta essência do alimento e também é sustentado pelo alimento em si. E o sentido de presença consciente que você mencionou é o sabor, ‘a natureza’ da essência do alimento que constitui o corpo, como a doçura é a natureza do açúcar, a qual é, ela mesma, a essência da cana-de-açúcar. Entenda que seu corpo pode existir apenas por um período limitado de tempo e, quando o material do qual ele é feito finalmente deteriorar-se a ponto de ‘morrer’, a força vital (respiração) e a consciência também desaparecerão dele. Assim, o que acontecerá para você?

Na ausência do corpo, poderia a consciência ser consciente de si mesma? A consciência, na ausência do corpo, não se manifestará mais. Então, você está novamente de volta para o ponto de partida: Quem, ou que, você é?

V: Como disse antes, não posso realmente expressar o que penso.

M: Certamente, não pode ser expresso, mas você o conhece? Uma vez que o expresse, torna-se um conceito. Mas, embora criador de um conceito, não é você mesmo um conceito? Você realmente não nasceu do próprio útero da concepção? Quem você é realmente? Ou se você preferir, como eu, que você é?

V: Penso que sou a presença consciente.

M: Você disse que ‘pensa’! Quem é este que pensa isto? Não é sua própria consciência na qual os pensamentos aparecem? E, como você tem visto, a consciência, ou presença, está limitada pelo tempo da mesma forma que o corpo. Esta é a razão pela qual falei a você anteriormente que é necessário entender a natureza deste corpo dotado de força vital e de consciência.

Você é ‘presença’ apenas enquanto o corpo, um fenómeno manifesto, existir. O que você era antes que o corpo e a consciência aparecessem espontaneamente para você? Digo ‘espontaneamente’, pois você não foi consultado sobre ser presenteado com um corpo nem seus pais esperavam ter você, especificamente, como filho. Não era você, então, relativamente, ‘ausência’ em vez de ‘presença’, antes que o estado de consciência-corpo surgisse sobre o que quer que fosse isto que era ‘você’?

V: Não estou certo de ter entendido isto.

M: Então, escute. Para que algo apareça, para existir, tem que haver uma base de ausência absoluta – ausência absoluta de presença assim como de ausência. Sei que não é fácil compreender. Mas tente. Qualquer presença pode ‘aparecer’ apenas como resultado da total ausência. Se houver presença inclusive da ausência, não poderá haver nem fenómeno nem conhecimento. Portanto, a ausência total, absoluta, implica total ausência de concepção. Este é seu estado original verdadeiro. Eu repito: O ‘você’ nasceu no útero da concepção. Sobre o estado original de total ausência, espontaneamente, surge uma semente de consciência – o pensamento ‘eu sou’ – e, através disto, sobre o estado original de unicidade e totalidade, surge a dualidade; a dualidade de sujeito e objeto, certo e errado, puro e impuro – raciocinando, julgando, comparando, etc. Pondere sobre isto.

V: Isto foi, certamente, uma revelação para mim, embora tenha estudado Vedanta por bastante tempo.

M: Está claro para você que você é anterior a toda concepção? O que você parece ser como um fenómeno é apenas conceitual. O que você é realmente não pode ser compreendido pela simples razão de que, no estado de não-concepção, não pode existir alguém para compreender o que se é!

S. Nisargadatta Maharaj

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