sexta-feira, 29 de abril de 2011

A Percepção da Beleza

Meditação é a atenção em que existe um estado de consciência, sem escolha, do movimento de todas as coisas – o grasnido dos corvos, o serrote elétrico, cortando a madeira, a agitação das folhas, o riacho barulhento, o menino gritando, os sentimentos, os motivos, os contraditórios pensamentos, e, indo mais para o fundo, a percepção da consciência total. Nesta atenção deixa de existir o tempo, como o dia de ontem, que tem continuidade no dia de amanhã, as distorções e movimentos da consciência aquietam-se e silenciam. Neste silêncio, há um imenso e incomparável movimento; movimento imperceptível, que constitui a essência do sagrado, da morte e da vida. Impossível é segui-lo, pois não deixa vestígio algum e é estático e silencioso, ele é a essência de todo movimento.

O fluxo exterior e interior da existência forma um único movimento. Com a compreensão do mundo exterior inicia-se o movimento interior, mas não em oposição ou em contradição entre si. Cessando o conflito, o cérebro, ainda que altamente sensível e alerta, aquieta-se. Somente então torna-se válido o movimento interior.

Deste movimento surge uma generosidade e uma compaixão que não resultam da razão ou do auto-sacrifício intencional.

A força e a beleza da flor estão em sua total vulnerabilidade. Os ambiciosos desconhecem o belo. A beleza está na percepção da essência de todas as coisas.

O pensamento é matéria e pode ser transformado em qualquer coisa, bela ou feia.

Existe, porém, o sagrado que não vem do pensamento, nem de um sentimento por ele reavivado. Não é reconhecível pelo pensar nem pode ser por ele utilizado ou concebido. A palavra ou o símbolo não podem definir o sagrado. Ele é incomunicável.

É um facto. Um facto é para se ver, mas o ato de ver não se processa através da palavra. Quando se interpreta um facto, ele deixa de ser um facto; torna-se algo inteiramente diferente. O “ver” é da mais alta importância. Encontra-se fora do tempo-espaço, é imediato, instantâneo. E o que se vê é sempre novo.

Não existe a repetição nem o processo gradual do tempo. Não existe lógica na verdade. A verdade não pode ser medida, avaliada. Só se pode medir e dimensionar aquilo que não é vivo.

Existe o medo. O medo nunca é uma realidade: vem sempre antes ou depois do presente ativo. Quando há medo no presente ativo, será isso medo? Está ali e não há como fugir dele, não há como escapar. Ali, no momento presente, há a atenção total ao momento de perigo, físico ou psicológico. Quando há atenção total, não há medo. Mas o próprio facto da desatenção gera o medo; o medo surge quando há uma evitação do fato, uma fuga; então a fuga é, ela própria, o medo.

Porventura uma das causas do medo é a comparação? O comparar-se com outra pessoa? Obviamente sim. A pergunta, portanto, é: será você capaz de viver uma vida sem se comparar com ninguém? Compreende o que digo? Ao se comparar com alguém, seja em termos ideológicos, psicológicos ou mesmo físicos, há o anseio de tornar-se aquilo; e há o medo de não conseguir. é o desejo de preencher e você teme não ser capaz de preencher. Onde há comparação haverá o medo.

Não há nada que conduza à verdade. Temos que navegar por mares sem roteiros para encontrá-la.

A escolha é onde existe confusão. Para a mente que vê claramente, não há necessidade de escolha, há ação. Penso que muitos problemas resultam de dizer que somos livres para escolher, a escolha significa liberdade. Pelo contrário, eu diria que a escolha significa uma mente confusa e, por conseguinte, não livre.

As ideias não são a verdade, a verdade é algo que deve ser testado diretamente, de momento a momento. Não é uma experiência desejada, que é pura sensação. Só quando somos capazes de transcender o feixe de ideias, que é o eu, que é a mente, que tem uma continuidade parcial ou integral; só quando somos capazes de ultrapassá-lo, quando o pensamento está em absoluto silêncio, só então existe um "estado de experimentar". Pode-se então saber o que é a verdade.

A história da humanidade está em você: a vasta experiência, os medos profundamente arraigados, as ansiedades, a dor, o prazer e todas as crenças que o homem acumulou através dos milênios. Você é esse livro. Ele não foi publicado por nenhum editor; não está à venda. Inútil ir a algum analista, porque o livro dele é o mesmo que o seu. Sem ler esse livro cuidadosa, paciente, hesitantemente, você nunca será capaz de transformar a sociedade em que vivemos, a sociedade que é corrupta, imoral. Existe muita pobreza, injustiça, e assim por diante. Qualquer pessoa séria estaria preocupada com o estado das coisas no mundo atual, com todo o caos a corrupção, guerra – o maior de todos os crimes é a guerra. Para produzir uma mudança radical em nossa sociedade e em sua estrutura, a pessoa tem que ser capaz de ler esse livro que é ela própria; e a sociedade em que vivemos foi criada por nós, cada um de nós, por nossos pais, avós e assim por diante. Todos os seres humanos criaram essa sociedade e, enquanto a sociedade não for transformada, haverá mais corrupção, mais guerra e destruição da mente humana. Assim, para ler esse livro que é a própria pessoa, é preciso aprender a arte de escutar o que o livro está dizendo. Escutar implica não interpretar. Apenas observar, como você observa uma nuvem. Não se pode fazer nada a respeito da nuvem ou das folhas da palmeira balançando ao vento, ou em relação à beleza do pôr-do-sol; não se pode alterá-los. Da mesma forma, é preciso aprender a arte de escutar o que o livro está dizendo. O livro é você; ele revelará tudo.

O importante é o ser e não o vir a ser; um não é o oposto do outro, havendo o oposto ou a oposição, cessa o ser. Ao findar o esforço para vir-a-ser, surge a plenitude do ser, que não é estático; não se trata de aceitação; o vir-a-ser depende do tempo e do espaço. O esforço deve cessar; disso nasce o ser que transcende os limites da moral e da virtude social, e abala os alicerces da sociedade. Esta maneira de ser é a própria vida, não mero padrão social. Lá, onde existe vida, não existe perfeição; a perfeição é uma ideia, uma palavra; o próprio ato de viver e existir transcende toda forma de pensamento e surge do aniquilamento da palavra, do modelo, do padrão.

Krishnamurti

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