sábado, 9 de abril de 2011

Farid Ud-Din Attar

A conferência dos pássaros - Farid Ud-Din Attar

A conferência dos pássaros (Mantiq ut-tair) foi escrita pelo poeta persa do século XII Farid ud-Din Attar, um dos maiores sufis de todos os tempos. Conquanto pouco se saiba, com certeza, a respeito da sua vida, parece que nasceu em 1120, perto de Nishapur, no noroeste da Pérsia. Durante quase quarenta anos viajou por muitos países, estudando em mosteiros e colecionando os escritos de sufis devotos, juntamente com lendas e histórias. Diz-se que possuía um conhecimento mais profundo das idéias sufistas do que qualquer outra pessoa do seu tempo. A tradução para o inglês de C. S. Nott baseia-se na conhecida edição francesa, em prosa, de Garcin de Tassy, a versão que melhor transmite “o sabor, o espírito e os ensinamentos do poema de Attar”.


Attar

Farid ud-Din Abu Hamid Muhammad ben Ibrahim era geralmente conhecido pelo nome de Attar, o perfumista. Conquanto pouco se saiba, com certeza, a respeito de sua vida, parece que nasceu em 1120 d.C. perto de Nishapur, no noroeste da Pérsia (terra natal de Ornar Khayyam). Acredita-se que sua morte, cuja data é incerta, tenha ocorrido por volta de 1230, de modo que ele teria vivido cento e dez anos. A maioria das coisas que se conhecem a seu respeito pertence à lenda, incluindo sua morte, nas mãos de um soldado de Gêngis Khan. De suas reminiscências pessoais, espalhadas pelos seus escritos, infere-se que passou, quando moço, treze anos em Meshad. Segundo nos conta Daw-latshah, Attar estava sentado, um dia, à porta da sua loja com um amigo quando ali se apresentou um dervixe, que olhou para dentro, aspirou os suaves perfumes que se desprendiam da loja, suspirou e pôs-se a chorar. Supondo que ele estivesse tentando despertar compaixão, Attar pediu-lhe que se retirasse. Respondeu o dervixe:

“Sim, não há nada que me impeça de deixar a tua porta e dizer adeus a este mundo. Tudo o que possuo é a minha khirka surrada. Mas sofro por ti, Attar. Como poderás, algum dia, voltar o rosto para a morte e renunciar a todos esses bens terrenos?”

Attar replicou que esperava terminar a vida na pobreza e no contentamento, como um dervixe.

“Veremos”, disse o dervixe.

E, deitando-se no chão, morreu.

Attar ficou tão impressionado com a cena que deixou a loja do pai, fez-se discípulo do famoso xeque Bukn-ud-din e começou a estudar, na teoria e na prática, o sistema de idéias dos sufis. Durante trinta e nove anos viajou por muitos países, estudando em mosteiros e coligindo os escritos de sufis devotos, além de lendas e histórias. Em seguida, regressou a Nishapur, onde viveu o resto da vida. Dizia-se que ele possuía uma compreensão mais profunda das idéias sufistas do que qualquer outra pessoa do seu tempo. Compôs cerca de duzentos mil versos e muitas obras em prosa. Viveu antes de Jalal-uddin Rumi. Perguntado sobre qual dos dois mais compreendera a doutrina dos sufis, um sufi respondeu:

“Rumi voou para as alturas da perfeição como a águia, num repente; Attar chegou à mesma altura marinhando como a formiga”.

Rumi disse: “Attar é a própria alma”.

Garcin de Tassy refere que em 1862 Nicolau Khanikoff descobriu, nas cercanias de Nishapur, uma pedra que havia sido erguida entre 1469 e 1506 (uns duzentos e cinquenta anos após a morte de Attar), na qual fora gravada uma inscrição em persa. Verti da seguinte maneira a tradução para o francês, feita por Tassy, da citada inscrição:

“Deus é Eterno

Em nome de Deus

O Compassivo e Misericordioso

Aqui, neste jardim de um Éden inferior, Attar perfumou a alma dos homens mais humildes. Esta é a sepultura de um homem tão eminente que a poeira animada pelos seus pés teria servido de colírio aos olhos do firmamento; do ilustre xeque Attar Farid, de quem os santos eram discípulos; deste excelente perfumista cujo hálito perfumava o mundo de um Kaf a outro. Nesta loja, ninho de anjos, o firmamento é um frasquinho de pílulas perfumadas com cidra. A terra de Nishapur será famosa até o dia da ressurreição por causa desse homem ilustre. A mina do seu ouro situa-se em Nishapur, pois ele nasceu em Zarwand, no distrito de Gurgan. Viveu em Nishapur durante oitenta e dois anos, trinta e dois dos quais decorreram em tranquilidade. No ano da Hégira de 586 (1190), foi perseguido pela espada do exército que tudo devorou. Farid pereceu no tempo de Hulaku Khan, martirizado na matança que então ocorreu. . . Reanime Deus, o Altíssimo, a sua alma! Aumenta, ó Senhor, o seu mérito!

A lápide desse homem eminente foi aqui colocada no reinado do Rei do Mundo, Sua Majestade o sultão Abu Igazi Hussein ...”

O resto da inscrição é em louvor ao sultão. Não parece haver nenhum registro escrito contemporâneo de quando, onde ou como ele morreu ou foi sepultado.

Nota sobre os sufis

O nome deriva de “suf”, “lã” — mantos de lã de ascetas. Os sufis seguem os ensinamentos interiores do Corão. Juntamente com um sistema de idéias baseado nos preceitos do seu livro sagrado, têm um método prático de trabalhar o próprio espírito, ensinado oralmente. Por meio de exercícios, posturas e danças, as forças do homem que estão sendo constantemente desviadas dele mesmo podem ser utilizadas e convertidas para o desenvolvimento interior e o aumento da consciência. A meta e o fim são a união da alma com Deus. Podem ocorrer momentos de prelibação dessa união — momentos de revelação e êxtase — “presentes”, como são chamados, mas a perfeição, a união com Deus, há que ser conquistada; impõe-se um contínuo forcejar.

Há um Deus. Todas as coisas estão nele e ele está em todas as coisas. Todas as coisas, visíveis e invisíveis, emanam dele. As religiões, por si mesmas, não importam, embora sirvam para conduzir os homens à Realidade. O Bem e o Mal, tais como os compreendemos, não existem, pois tudo procede do Ser Uno, Deus; ao mesmo tempo, há o bem real e o mal real. O homem não é livre em seus atos; não dispõe do livre-arbítrio, se bem possa consegui-lo mediante esforço bem orientado. Forças internas e externas movem-se para este ou para aquele lado — joguete de cada vento que sopra. Alcança-se a união através de duas formas de renúncia e alheamento: a renúncia aos desejos, vaidades e devaneios, de um lado; e, de outro, a renúncia às coisas do mundo — o amor ao poder, à fama, às riquezas e às honras. Mas a oração e o jejum também podem ser um grande empecilho: podemos identificar-nos com qualquer coisa. Um sufi, todavia, não renuncia às coisas necessárias nem se retira do mundo. Precisa estar nele, embora não lhe pertença. É uma grande bênção ter o indispensável ao corpo físico. Por si mesmo, o sexo não era ocasião de pecado, como veio a ser no cristianismo ortodoxo, mas uma possessão estimada. Compreendiam-se o significado e o uso da força do sexo. Como Orage assinala em seu ensaio “Sobre o amor”: “A castidade dos sentidos (nos tempos antigos) era ensinada na primeira infância. O erotismo, por esse motivo, tornou-se uma arte na mais alta forma que o mundo já viu. Seus tímidos ecos encontram-se na literatura persa e sufista de hoje”.

A alma (no sentido da parte superior do homem, que anseia pela perfeição) existia antes do corpo e está presa nele como numa gaiola. A vida humana é uma viagem feita por etapas; e o buscador de Deus é um viajante que precisa envidar grandes esforços para superar suas fraquezas e falhas e obter a compreensão e o conhecimento verdadeiros.

Dizem os seus seguidores que o sufismo sempre existiu sob várias denominações; e que o sistema e o método, em diferentes formas, eram conhecidos dos egípcios, hindus, budistas, judeus, gregos e cristãos primitivos — na verdade, de todas as grandes religiões em suas origens. Ele existe hoje no Ocidente.

Só a participação dos que alcançaram certo estado de desenvolvimento pode colocar o viajante no caminho. Basta que ele tenha capacidade de disciplina e de esforço para que um só dia — talvez uma só hora, na sociedade dos homens de entendimento, lhe seja de maior valia do que anos de ascetismo e formas exteriores de adoração.

Entre as regras que devem ser obedecidas pelos discípulos em presença de um professor figuram as seguintes:

“Presta atenção e fala pouco. Não respondas a perguntas que não te foram dirigidas; entretanto, se fores interrogado, responde com presteza e não te envergonhes de dizer ‘Não sei’. Não discutas por amor à discussão. Não te vanglories diante dos teus maiores. Não procures os lugares mais elevados. Não sejas demasiado cerimonioso. Obedece a todas as convenções comuns e conforma-te com os desejos dos outros enquanto estes não te contrariem as convicções íntimas. Não faças prática de coisa alguma, a não ser que se trate de obrigação religiosa ou de algo útil aos outros, visto que pode converter-se num ídolo”.

Afirmam os sufis que quase todos nascemos com possibilidade de desenvolvimento interior, mas que nossos pais e as pessoas que nos rodeiam fazem de nós um judeu, um cristão, um hindu ou um mago, e adquirimos preconceitos e aceitamos o que os outros dizem, sem nenhuma consideração pela nossa própria experiência ou raciocínio, e que isto se transforma num obstáculo. Quando morre um “crente” — pessoa que trabalhou o próprio espírito —, sua alma vai para o céu, que corresponde ao estado para o qual ela foi aperfeiçoada. Mas por maiores “conhecimentos” que tenha um homem, e a menos que ele se haja examinado e confessado a si mesmo que realmente não compreende nada, tudo o que adquirir será como “o vento em suas mãos”.

Epílogo

Ó Attar! Espargiste pelo mundo o conteúdo do vaso de almíscar dos segredos. Os horizontes encheram-se dos teus perfumes e os amantes estão perturbados por tua causa. Teus versos são o teu selo; e são conhecidos como Mantiq ut-tair e Makamat ut-tiyur. Estas conferências, falas e discursos dos pássaros são os estádios do caminho da perplexidade; ou, como se pode dizer, o Divã da Embriaguez.

Entra nesse divã com amor. Quando o Duldul do teu amor galopa e desejas alguma coisa, age em conformidade com o teu desejo. O amor é o remédio para todos os males, e é o remédio da alma nos dois mundos.

Ó tu, que enveredaste pelo caminho do desenvolvimento interior, não leias o meu livro apenas como obra poética, nem como livro de magia, mas com compreensão; e, para isso, faz-se mister que o homem esteja com fome de alguma coisa, insatisfeito consigo mesmo e com este mundo.

Quem não sentiu o perfume do meu discurso não encontrou o caminho dos amantes. Mas quem o ler com cuidado tornar-se-á ativo e será digno de entrar no Caminho de que falo. Os homens do mundo exterior serão como afogados no que tange ao meu discurso; mas os homens do mundo interior lhe compreenderão os segredos. Meu livro é o ornamento do seu tempo; é, simultaneamente, um presente para os homens distintos e um favor para os homens comuns. Se um homem frio como o gelo ler este livro, projetar-se-á como fogo para fora do véu que dele oculta o mistério. Meus escritos têm uma peculiaridade notável — proporcionam maior proveito segundo o modo como são lidos. Se meditares neles com frequência, aproveitar-te-ão cada vez mais. O véu desta esposa do harém só será afastado para ti aos poucos, no lugar da honra e da graça. Espalhei pérolas do oceano da contemplação; estou, portanto, desobrigado, e este livro é a prova disso.

Mas talvez não aproves que eu me louve em demasia, embora o imparcial reconheça o meu mérito, pois a luz da minha lua cheia não está oculta. Se eu não for lembrado por mim mesmo, sê-lo-ei até a ressurreição pelas pérolas de poesia que derramei sobre a cabeça dos homens. As cúpulas do céu se dissolverão antes que pereça este poema.

Se experimentaste, leitor, algum bem-estar por havê-lo lido com atenção, lembra-te do autor em tuas preces. Esparzi aqui e ali rosas do jardim. Lembrai-vos de mim, ó meus amigos! Cada professor tem um modo especial de revelar suas idéias e depois desaparece. Como os meus predecessores, revelei o pássaro da minha alma aos que estão dormindo. O sonho que te enche a vida talvez te haja privado deste discurso, mas, tendo-o encontrado, tua alma será despertada pelo segredo que ele revela.

E agora meu cérebro está enfumaçado como o nicho em que arde uma vela. Disse eu a mim mesmo: “Ó tu que falas tanto, em lugar de falar desse jeito bate a cabeça e busca os segredos. Que adiantam todas essas narrações para homens corrompidos pelo egoísmo? Que é o que pode sair de corações dominados pela vaidade e pela presunção?”

Se quiseres que o oceano da tua alma permaneça num estado de movimento salutar, morre para toda a tua antiga vida e, depois, silencia.

Namasté

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