segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Conhece a verdade e liberta-te num momento

"Assim o homem, depois de procurar em vão os vários deuses fora de si próprio, completa o ciclo e volta ao ponto do qual iniciou sua busca - a alma humana. E descobre que aquele Deus procurado sobre montes e vales, que buscava encontrar em cada livro, em cada templo, nas igrejas e nos céus, aquele Deus que ele imaginava sentado no paraíso, a governar o mundo, era seu próprio Eu. Eu sou Ele, e Ele é Eu. Só Eu era Deus e o pequeno "eu" jamais existiu.

Entretanto, como pode iludir-se esse perfeito Deus? Nunca o foi. Como poderia um Deus perfeito estar sonhando? Nunca sonhou. A verdade jamais sonha. A própria indagação de onde surgiu essa ilusão é absurda. A ilusão surge apenas da ilusão. Não haverá ilusão desde que a verdade seja vista. A ilusão sempre repousa na ilusão, jamais repousa em Deus, na Verdade, no Atman. Jamais estais em ilusão, é a ilusão que está em vós, diante de vós. Uma nuvem aqui está. Outra vem, expulsa a primeira e toma o seu lugar. Vem uma terceira, que por sua vez expulsa essa. Assim como diante do céu eternamente azul nuvens de várias tonalidades e colorações surgem, permanecem por um pequeno espaço de tempo, e desaparecem, deixando o mesmo e eterno azul, vós sois, eternamente, puros, perfeitos.

Sois os verdadeiros Deuses do universo. Não, não há dois, só há um. É um engano dizer "vós" e "eu". Sou eu quem está comendo através de milhões de bocas. Portanto, como posso ter fome? Sou eu quem trabalha através de um número infinito de mãos. Como posso estar inativo? Sou eu quem vive a vida de todo o universo. Onde está a morte para mim? Eu estou acolá da vida, acolá de toda a morte. Onde procurarei a liberdade, se sou livre por minha natureza? Quem pode constranger-me, a mim, o Deus do universo? As escrituras do mundo não passam de pequenos mapas, desejando delinear a minha glória, pois sou a única existência do universo. Então, que representam esses livros para mim? Assim fala o advaitista.

"Conhece a verdade e liberta-te num momento." Toda a treva desaparecerá, então. Quando o homem se tiver visto como um com o Ser infinito do universo, quando toda a separação cessar, quando todos os homens e mulheres, todos os deuses e anjos, todos os animais e plantas, e todo o universo, se tiverem desvanecido nessa Unidade, então o medo desaparecerá. Posso magoar-me? Posso matar-me? Posso injuriar-me? A quem posso temer? Podeis temer a vós mesmos? Então, todo o desgosto desaparecerá. Quem me pode causar desgosto? Eu sou a Existência única do universo. Então, todos os ciúmes desaparecerão. De quem terei ciúmes? De mim próprio? Então, todos os maus sentimentos desaparecerão. Contra quem terei maus sentimentos? Contra mim mesmo? Não há ninguém no universo a não ser eu.

Esse é o único caminho, dizem os vedantistas, para o conhecimento. Matai as diferenciações, matai essa superstição de que existem muitos. "O que está neste mundo de muitos, vê aquele Único. O que está nesta massa de inconsciência, vê aquele único Ser consciente. Quem está neste mundo de sombras, aprende aquela Realidade - e nela está a paz eterna e em ninguém mais, em ninguém mais"."

(Swami Vivekananda)

sábado, 4 de junho de 2016

Meditação ...

"Vamos agora investigar o que é a morte - eu, pelo menos, o vou investigar, expor; mas vós só compreendereis a morte, só podereis com ela viver completamente, conhecer-lhe a profundeza, o significado pleno, quando não tiverdes medo e, por conseguinte, nenhuma ilusão. Estar livre do medo é estar vivendo completamente no presente, e isso significa que não se está funcionando mecanicamente no hábito da memória. De modo geral, estamos interessados na reencarnação, ou em saber se continuaremos a viver após a morte do corpo - e tudo isso é muito fútil. Já compreendemos a futilidade desse desejo de continuidade? Percebemos que é, cinicamente, o "processo" do pensar, a máquina do pensamento, que exige continuidade? Uma vez tenhais percebido esse fato, compreendereis a extrema superficialidade, a estupidez de tal exigência. O "eu" subsiste após a morte? Que importa isso? E que é esse "eu" que desejais continue existente? Vossos prazeres e sonhos, vossas esperanças, desesperos e alegrias, vossas posses e o nome de que sois portador, vosso insignificante caráter e o conhecimento que adquiristes em vossa vida angustiada, estreita, conhecimento que foi acrescentado pelos professores, pelos literatos, pelos artistas. E isso que desejais subsista, só isso.

Ora, quer sejais velho, quer moço, tendes de acabar com tudo isso - extirpá-lo radicalmente, "cirurgicamente", à maneira do operador com seu bisturi. A mente se torna então sem ilusão e sem medo; por conseguinte, é capaz de observar e de compreender o que é a morte. O medo existe por causa do nosso desejo de conservar o "conhecido". O "conhecido" é o passado vivente no presente e a modificar o futuro. Assim é nossa vida, dia após dia, ano após ano, até morrermos; e como pode essa mente compreender aquilo que não tem "tempo", que não tem "motivo", que é totalmente desconhecido? 

Compreendeis? A vida é o desconhecido, e vós tendes ideias a respeito dela. Evitais encarar a morte, ou tratais de racionalizá-la, dizendo-a inevitável; ou tendes uma crença que vos dá consolo, esperança. Mas, só a mente amadurecida, a mente sem medo, sem ilusão, e sem essa estúpida busca de "auto-expressão" e de continuidade - só essa mente pode observar e descobrir o que é a morte, já que sabe viver no presente.

Prestai atenção a isto, por favor: Viver no presente é viver sem desespero, porque não há apego ao passado, nem esperança para o futuro; por conseguinte, a mente diz: "O hoje me basta". Ela não foge ao passado, nem fecha os olhos ao futuro, porém compreendeu a totalidade da consciência, que não é só individual, mas também coletiva, e, por conseguinte, não existe nenhum "eu" separado da multidão. Com a compreensão total de si própria, compreendeu a mente tanto o "particular" como o "universal"; por conseguinte, rejeitou a ambição, o preconceito, o prestígio social. Tudo isso desapareceu da mente que está vivendo toda no presente e, por conseguinte, morrendo, a cada minuto do dia, para tudo o que se torna conhecido. Vereis, então, se tiverdes chegado até ai, que a morte e a vida são uma só coisa. Estais vivendo totalmente no presente, completamente atento, sem escolha, sem esforço. A mente está sempre vazia, e desse vazio vós olhais, observais, compreendeis, e, por conseguinte, viver é morrer. O que tem continuidade nunca pode ser criador. Só o que finda pode saber o que é criar. Quando a vida é também morte, existe a Verdade, há criação; porque a morte é o desconhecido, como o são a Verdade e o Amor."

domingo, 29 de maio de 2016

Liberdade

O Amor

“Podeis sentir o amor com todas as suas benções, seu perfume, sua delicadeza, mas só se “vós” deixardes de existir, só se “vós” deixardes de querer alcançar ou de querer tornar-vos alguma coisa. Só esse amor pode transformar o mundo.“

Liberdade

“Liberdade significa não condenar nada do que vedes em vós mesmo. Em geral o condenamos, ou o explicamos, justificamos. Nunca olhamos sem justificação ou condenação. Por conseguinte, a primeira coisa que cumpre fazer — e esta é talvez a última coisa — é observar sem nenhuma espécie de condenação. Isso vai ser muito difícil, porque é nossa cultura, nossa tradição, comparar, justificar ou condenar o que somos. Dizemos “isto é certo e isso é errado; isto é verdadeiro e isto é falso, isto é belo,, etc.”, e isso nos impede de observar o que realmente somos.

Escutai: O que vós sois é uma coisa viva, e quando condenais o que vedes em vós mesmos, o estais condenando com uma memória morta, que é o passado. Há, por conseguinte, uma contradição entre o viver e o passado. Para se compreender o viver, o passado deve desaparecer; então, pode-se olhar. É isso o que estais fazendo agora, enquanto falamos; não ireis refletir em casa sobre o assunto, porque no momento em que começardes a fazê-lo estareis liquidado. Não estamos aqui para fazer terapia em grupo e tampouco confissões em público; isso seria infantil. O que vamos fazer é uma exploração de nós mesmos, como cientistas, sem dependermos de pessoa alguma. Se dependeis, seja de vosso analista ou vosso sacerdote, seja de vossa memória ou experiência, estais perdido, porque tudo isso é o passado. E se estais olhando o presente com os olhos do passado, jamais descobrireis o que é a coisa viva." 

Da Perceção Vem a Energia 

"A questão é certamente libertar a mente de forma total para que ela se encontre num estado de atenção que não tem limites, que não tem fronteiras. E como pode a mente descobrir esse estado? Como pode ela chegar a essa liberdade? 

Espero que estejam a colocar esta questão a vós mesmos com toda a seriedade, porque eu não a estou a colocar a vós. Não estou a tentar influenciar-vos; estou tão-somente a salientar a importância de nos colocarmos a nós mesmos esta questão. O facto de outra pessoa colocar a questão por palavras não tem qualquer significado se vocês não a colocarem a vós mesmos com insistência, com urgência. A margem de liberdade está a tornar-se mais estreita a cada dia, como devem saber se forem minimamente observadores. 

Os políticos, os líderes, os padres, os jornais e os livros que vocês leem, o conhecimento que adquirem, as crenças a que se agarram — tudo isto está a tornar a margem de liberdade cada vez mais estreita. Se vocês estiverem atentos a este processo que está a ter lugar, se perceberem verdadeiramente a estreiteza da mentalidade, a crescente servidão da mente, então descobrirão que da perceção vem a energia; e é esta energia que nasce da perceção que irá dissolver a mente mesquinha, a mente que vai ao templo, a mente que é receosa. Portanto, a perceção é a via da verdade."

sábado, 2 de abril de 2016

Do Ato de Observar - Krishnamurti


"Parece-me que não tentastes compreender o significado da palavra “participar”. No participar não há autoridade, pois não há nem vós nem eu. Não há consciência de dar ou de receber; só há o ato de participar, que não confere importância nem a quem dá nem a quem recebe. E, participar implica muitas coisas: que ambas as partes — o orador e vós — se acham num estado de espírito no qual só há aquela tendência, ou sentimento, ou afeição, ou amor que, impremeditadamente e sem identificação com nenhuma personalidade, estabelece a participação (comunhão). Nesse participar não há instrução. Não há instrutor nem discípulo, não há quem dá nem quem recebe, porém, tão-só, um ato de completa comunhão. Não sei se já alguma vez conhecestes esse sentimento de completa união, de completa comunhão existente no ato de participar, que é com efeito um ato de grande afeição e compaixão. Vamos considerar um assunto que não exige uma mera explicação verbal ou dialética, ou troca de opiniões, ou oposição de uma idéia a outra idéia, pois, quando tais coisas existem, o ato de participar se torna muito fraco. Queremos falar, nesta tarde, sobre a questão da ação. Mas, para compreendê-la, não apenas verbalmente, não apenas intelectualmente, porém com a totalidade de nosso ser, temos de ultrapassar as palavras. Só então pode haver comunhão, participação, só então podemos tomar parte juntos em algo de suma importância. E esta questão da ação requer, não só uma explicação verbal, mas também, e muito mais, que marchemos juntos, explorando cuidadosamente o nosso caminho para a compreensão desta questão da ação.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

A Natureza do Ser - S. N. Maharaj

O que posso fazer para ser mais receptivo à realidade suprema?

Não há nenhum sistema, método ou técnica pela qual aproximar-se da realidade. Ela se revela por si mesma quando todas as técnicas e sistemas falham e a futilidade da volição é percebida. Então a mente se envolve em um estado de entrega inocente. A técnica apenas faz a mente mais astuta e engenhosa. Você ainda permanece em sua rede e, embora possa ter a impressão de transformação, está de fato desempenhando os velhos jogos. É um círculo vicioso.

Liberdade, humildade e amor aparecem instantaneamente, nunca como um empreendimento. A mente, o processo de pensamento, acontece em termos de tempo e espaço. Mas a Consciência silenciosa não é condicionada ou qualificada nem por um nem pelo outro. Por esta razão a mente limitada não pode alcançar o absoluto pela expansão de si mesma. Todos os esforços apenas resultam na perpetuação do ego.

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

O Cântico da Iluminação

O Cântico da Iluminação, chin. Cheng-tao-ko

Você conhece aquele homem tranqüilo,
Que está andando pelo caminho, além do aprendizado,
Cujo estado é a não-ação, sem evitar a fantasia, sem procurar a verdade?
Ele sabe que a natureza real da ignorância é a própria natureza de Buddha
E que o corpo ilusório e vazio é o próprio Dharmakaya.

Quando se desperta completamente para o Dharmakaya,
Não há mais qualquer coisa.
A fonte de todas as coisas, que vem da própria natureza,
É o Buddha em seu aspecto absoluto.
Os cinco agregados vêm e vão, como meras nuvens no céu vazio;
Os três venenos aparecem e desaparecem,
Como bolhas na superfície do mar.

Quando se compreende a realidade,
Não há diferenciação entre sujeito e objeto;
O karma que levaria ao sofrimento infinito do inferno
Desaparece em um instante.
Se esta for uma mentira para enganar os seres sencientes,
Que a minha língua seja cortada por tantas eras
Quanto os inúmeros grãos de poeira.

Uma vez que a mente é desperta para o Zen do Tathagata,
As seis perfeições e as dez mil boas ações
Já estarão totalmente completas em nós.
Em nosso sonho, vemos claramente os seis reinos da ilusão;
Após despertarmos, tudo está vazio
E nem mesmo os inumeráveis universos poderão ser encontrados.

Aqui não há tristeza, nem felicidade, nem perda, nem ganho;
Nada pode ser encontrado no meio do nirvana.
É como o espelho empoeirado que nunca foi polido;
Agora é o momento de limpá-lo completamente, de uma vez por todas.

Quem tem o não-pensamento? Quem é o não-nascido?
Se nós somos verdadeiramente não-nascidos,
Também não somos não-nascidos.
Pergunte a um fantoche se não é assim.
Como poderíamos obter a própria realização
Através das ações virtuosas ou procurando o Buddha?

Libere os quatro elementos, não se apegue a coisa alguma;
Beba e coma como quiser no meio do nirvana.
Veja tudo como impermanente e completamente vazio;
Isto é a grande e perfeita iluminação do Tathagata.

domingo, 3 de agosto de 2014

EU SOU AQUILO

Do livro ‘I AM THAT’, de Shri Nisargadatta Maharaj

(Q=pergunta; NM=resposta de Nisargadatta)

“Quando se atinge a iluminação, a visão total atingida é tão clara que o indivíduo não faz mais do que rir e até, em aparência, ser irreverente, quando vê a fantástica superestrutura de superstições, ilusões e mistérios que está erigida (pelas nossas crenças e religiões, tradições, costumes e cultura, suposições e sociedade) sobre e em torno da simplicidade elementar que é a Verdade".

"Quando você está interessado na verdade, na realidade, você deve questionar todas as coisas, mesmo sua própria vida. Ao crer na necessidade de uma experiência sensorial e intelectual emocionante, você limita sua investigação à busca de satisfação e de conforto.” (E não vai à busca da Verdade).

“Enquanto houver um corpo e uma mente para proteger o corpo, existirão atrações e repulsões (devidos às limitações da mente individual em face de suas ilusões, suposições, crenças, cultura etc.). Existirão no campo dos fatos, mas não devem trazer preocupação para aquele que está compreendendo. O foco de sua atenção estará em outro lugar (além da mente). Não estará distraído”.

"Este que vê o tudo isto e também vê o nada, é o mestre interior (aquilo a que damos o nome de Deus). Só ele é; todo o restante parece ser. Ele é seu próprio ser, sua esperança e segurança de liberdade: encontre-o e una-se a ele (isto é, perceba-o), e estará a salvo e seguro” (‘... a Verdade vos libertará’).

“A Libertação não é uma aquisição, mas uma questão de coragem; coragem de aceitar que você já é livre e de agir com base nisso”.

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Ser apenas... Sem Nascer ou Morrer

Pergunta: Você continua dizendo que eu nunca nasci e que nunca morrerei. Se é assim, como é que vejo o mundo como alguém que nasceu e que, certamente, morrerá.

Maharaj: Você acredita desse modo porque você nunca questionou sua crença de que você é o corpo, o qual, obviamente, nasce e morre. Enquanto vivo, atrai a atenção e o fascina tão completamente que raramente alguém percebe sua verdadeira natureza. É como ver a superfície do oceano e esquecer completamente a imensidade mais abaixo. O mundo é só a superfície da mente e a mente é infinita. O que chamamos pensamento são apenas ondulações da mente. Quando a mente está serena, reflete a realidade. Quando ela está imóvel em toda sua extensão, ela se dissolve e apenas a realidade permanece. Esta realidade é tão concreta, tão real, tão mais tangível que a mente e a matéria que, comparado com ela, mesmo o diamante é suave como manteiga. Esta impressionante realidade torna o mundo irreal, nebuloso, irrelevante.

P: Com tanto sofrimento no mundo, como pode vê-lo como irrelevante? Que frieza!

M: É você quem é insensível, não eu. Se seu mundo é tão cheio de sofrimento faça algo a respeito, não acrescente mais a ele através da ambição e da indolência. Eu não estou limitado por seu mundo ilusório. Em meu mundo, as sementes do sofrimento, do desejo e do temor não são semeadas, e o sofrimento não cresce. Meu mundo está livre dos opostos, de discrepâncias mutuamente destrutivas; prevalece a harmonia; sua paz é como uma rocha; esta paz e o silêncio são o meu corpo.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

O que é Vedanta?

Luzes de Nisargadatta Maharaj - Advaita Bodha Deepika

O Silêncio. Parar o Diálogo Interno. Não Pensar. Acabar com a Mente.

M = Mestre
D = Discípulo

M: Sábio filho, abandone a mente – o atributo limitador que origina a individualidade, assim causando a grande enfermidade de repetidos nascimentos e mortes – e realize Brahman.

D: Mestre, como se pode extinguir a mente? Não é muito difícil? Não é a mente muito vigorosa, inquieta e sempre vacilante? Como se pode renunciar à mente?

M: Abandonar a mente é muito fácil, tão fácil quanto amassar uma flor delicada, tirar um fio de cabelo da manteiga ou piscar os olhos. Não tenha dúvida. Para um buscador resoluto, senhor de si e não enfeitiçado pelos sentidos, que pelo intenso desapaixonamento se tornou indiferente aos objetos externos, não pode haver a menor dificuldade em abandonar a mente.

D: Como pode ser tão fácil?

M: A questão da dificuldade só surge quando há uma mente a ser renunciada. Verdadeiramente falando, não existe mente. Quando lhe dizem: “Aqui tem um fantasma”, a criança ignorante é levada a acreditar na existência do fantasma inexistente, ficando sujeita ao medo, ao sofrimento e aos incômodos. Da mesma forma no imaculado Brahman, ao imaginar coisas que não existem – como isto e aquilo – uma falsa entidade conhecida como mente surge como algo aparentemente real, funcionando como isto e aquilo e mostrando-se incontrolável e poderosa ao incauto; porém, para o buscador senhor de si e dotado de discernimento, conhecedor da natureza da mente, ela é fácil de ser abandonada. Só um tolo, ignorante da natureza da mente, diz que é muito difícil.

D: Qual é a natureza da mente?

M: Pensar nisto e naquilo. Na ausência de pensamento, não existe mente. Extinguindo-se os pensamentos, a mente permanecerá apenas em nome, tal como o chifre de uma lebre; desaparecerá como uma não entidade, como o filho de uma mulher estéril, o chifre de uma lebre, ou uma flor no céu. Isto também é mencionado no Yoga Vasishta.

domingo, 12 de janeiro de 2014

A Escuta - J. Klein

Requer-se esforço neste caminho? Pessoalmente, acho que tenho cada vez menos energia para fazer um esforço em qualquer direção.

Você não pode fazer um esforço sem tensão. Mas, porque você faz um esforço? Apenas porque busca um resultado, algo fora de você mesmo. Uma vez que você saiba realmente que o que busca é sua natureza real, você perde o ímpeto para o esforço. Assim, em primeiro lugar, veja como você está fazendo esforço constantemente. Assim que estiver consciente deste processo, você já estará fora dele. E isto pode surgir como uma percepção original de que você é realmente quietude.

Mas esse ‘ver’ não requer algum esforço?

Não. Esse ‘ver’ é seu estado natural. Simplesmente, seja consciente de que você não vê. Torne-se mais consciente de que você reage constantemente. Ver não requer esforço porque sua natureza é ver, é estar em silêncio. No momento em que não busca um resultado, não busca criticar, avaliar ou concluir, simplesmente limitado ao ver, então você pode perceber esta reação e não é mais cúmplice dela.

No curso da meditação, à medida que o processo de esvaziamento continua, vem este pensamento: “Isto é apenas um pensamento”. Mas o pensamento “Isto é apenas um pensamento” é um pensamento também, não é?

Absolutamente. Ver, em si, não é um pensamento, mas, no princípio, nós o conhecemos como limitado apenas à percepção de objetos. Mais tarde, surge o puro ver sem objeto. Então, há o discernimento de que você é esse puro ver e que tudo o que é visto aparece em você. Neste momento, o ver não é mais afetado pelo que vê.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Libertação - Krishnamurti

Uma experiência de Liberdade


A imaginação perverte o percebimento de o que é; no entanto, como nos orgulhamos de nossa imaginação e de nosso especular. A mente especulativa, com seus pensamentos complicados, não é capaz de transformação fundamental; não é uma mente revolucionária. Vestiu-se como deveria ser e está seguindo o padrão de suas próprias projeções limitadas, confinantes. O que é bom não está no que deveria ser, mas na compreensão do que é. A mente tem de por de lado toda imaginação e especulação para que o Real tenha existência.

Ele era moço ainda, mas chefe de família e conceituado homem de negócios. Parecia muito preocupado e atribulado, e ansioso por dizer alguma coisa.

"Há tempos ocorreu-me uma experiência verdadeiramente extraordinária, e como nunca relatei a ninguém não sei se sou capaz de a descrever com clareza para você; espero que sim, pois não há ninguém mais a quem possa me dirigir. Essa experiência arrebatou-me completamente o coração; entretanto, foi-se e dela só me resta a vã lembrança. Talvez você possa ajudar-me a captá-la novamente. Vou relatar-lhe com a possível exatidão o que foi esse estado abençoado. Tenho lido a respeito dessas coisas, mas tudo o que li não passava de vãs palavras, que só me falavam aos sentidos; o que me aconteceu foi uma coisa fora da esfera do pensamento, da esfera da imaginação e do desejo, e eu a perdi. Rogo-lhe para que me ajude a recuperá-la". Calou-se por um instante, e continuou:

"Uma certa manhã despertei muito cedo; a cidade ainda dormia e seus rumores ainda não haviam começado. Senti-me impelido a sair; vesti-me rapidamente e saí para a rua. Nem sequer o caminhão do leite havia começado a circular. A primavera estava em início e o céu era de um azul pálido. Apoderou-se de mim um forte sentimento de que deveria ir ao parque, distante cerca de uma milha. Desde o instante em que transpus a porta da rua, veio-me um estranho sentimento de leveza, como se estivesse caminhando no ar. O edifício fronteiro, um desgracioso conjunto de apartamentos, perdera toda sua fealdade; até os tijolos pareciam mais vivos e luminosos. Todo objeto insignificante, que eu de ordinário não teria sequer notado, parecia dotado de uma qualidade extraordinária, peculiar e, coisa estranha, tudo parecia parte de mim mesmo. Nada estava separado de mim; com efeito, o "eu", como observador, como percipiente, tinha-se ausentado, se você percebe o que quero dizer. Não havia "eu" separado daquela árvore ou do jornal jogado na sarjeta ou das aves que chamavam umas às outras. Era um estado de consciência que eu nunca antes experimentara."

"No caminho do parque", prosseguiu, "havia uma loja de flores. Centenas de vezes passei por ali e de cada vez não dava mais do que um simples relance de olhos para as flores. Mas naquela manhã parei diante da loja. A vitrine estava ligeiramente embaçada, do calor e da umidade interiores, mas isso não me impedia de ver as diversas variedades de flores. Enquanto ali estava, a contempla-las, comecei a sorrir e a rir, possuído de uma alegria nunca experimentada anteriormente. As flores estavam a falar-me e eu a falar com elas; sentia-me misturado com elas, elas faziam parte de mim mesmo. Ao dizer-lhe isso poderei dar-lhe a impressão de que me achava num estado histérico, ligeiramente privado de razão; mas não era assim. Vestira-me com muito cuidado, perfeitamente cônscio dos meus atos, escolhendo peças limpas de vestuário, consultando o relógio, vendo os letreiros das lojas, inclusive o de meu alfaiate, e lendo os títulos dos livros expostos na vitrine de uma livraria. Tudo era vivo e eu amava todas as coisas. Eu era o perfume daquelas flores, mas não havia "eu" a cheiras as flores, se você entende o que quero dizer. Não havia separação entre elas e mim. Aquela loja de flores apresentava um fantástico espetáculo de cores, de uma beleza que parecia extasiante, pois o tempo e sua medida haviam cessado. Devo estar ali mais de vinte minutos, mas garanto-lhe que não tinha noção nenhuma de tempo. Foi-me difícil partir de perto daquelas flores. O mundo de luta, de dor e sofrimento era inexistente naquela hora. Com efeito, num tal estado as palavras são sem significação. As palavras são descritivas, discriminativas, comparativas, mas naquele estado não existiam palavras. "Eu" não estava experimentado; só havia um estado — a experiência. O tempo cessara: não havia passado, presente ou futuro. Só havia — Oh! Não sei expressá-lo por palavras, mas não importa. Havia uma Presença — não, não é esta a palavra. Era como se a Terra, com tudo o que nela e sobre ela existe, tivesse recebido uma benção dos céus, e eu, dirigindo-me para o parque, fazia parte dela. Ao aproximar-me do parque, fiquei completamente fascinado pela beleza daquelas árvores familiares. Do amarelo pálido ao verde mais escuro, as folhas dançavam cheias de vida. Cada uma das folhas destacava-se, separadamente, e toda a riqueza da Terra se concentrava numa única folha. Senti o coração acelerar-se; tenho um coração robusto, mas mal podia respirar, ao entrar no parque, e pensei desmaiar. Sentei-me num banco, as lágrimas rolavam-me pelas faces. Rodeava-me um silêncio verdadeiramente intolerável. Mas esse silêncio estava purificando todas as coisas, lavando-as da dor e do sofrimento. Ao internar-me mais no parque, havia música no ar. Fiquei surpreso, pois não havia vasas nas imediações e por certo ninguém teria levado um rádio para o parque àquela hora da madrugada. A música fazia parte daquela totalidade. Toda a bondade, toda a compaixão do mundo estava presente naquele parque, Deus estava ali."

"Não sou teólogo nem muito menos religioso", continuou, "já entrei pelo menos uma dúzia de vezes numa igreja, mas isso nunca teve muita significação para mim. Não suporto o amontoado de absurdos que se presencia numa igreja. Mas naquele parque estava presente um Ser, se se pode empregar tal palavra, no qual todas as coisas viviam e agiam. As pernas me tremiam, forçando-me a sentar-me novamente, recostado numa árvore. O tronco era uma entidade viva como eu, e eu fazia parte daquela árvore, daquele Ser, do mundo. Devo ter desmaiado. Aquilo fora excessivo para mim: as cores intensas e vivas, as folhas, as pedras, as flores, a incrível beleza de todas as coisas. E, por sobre tudo aquilo, a benção de..."

"Quando tornei a mim já era nado o sol. Em geral, levo uns vinte minutos, a pé, até o parque; mas já fazia quase duas horas que eu saíra de casa. Fisicamente, sentia-me sem forças para voltar a pé; e, assim, deixei-me ficar ali, sentado, reunindo as forças e sem ousar pensar. Ao voltar para casa, lentamente, levava comigo, toda inteira, aquela experiência; durou ela dois dias e, tão subitamente como viera, desapareceu. Começou então o meu tormento. Durante uma semana inteira não cheguei, sequer, às proximidades do meu escritório. Queria de volta aquela experiência extraordinária, viva, queria tornar a viver, e para sempre, naquele mundo beatífico. Tudo isso aconteceu há dois anos. Andei pensando seriamente em ir-me para um recanto solitário do mundo, mas o coração me dizia que não a recuperaria dessa maneira. nenhum mosteiro pode oferecer-me aquela experiência; não a encontrarei em nenhuma igreja cheia de velas acesas e onde só nos oferecem a morte e a escuridão. Pensei em partir para a Índia, mas abandonei também tal idéia. Experimentei então uma certa droga; ela me fez mais vívidas as coisas, etc., mas não é de narcóticos que eu preciso. Isso é querer comprar muito barato o "experimentar"; e o que se tem é uma ilusão e não uma coisa real".

"Aqui estou, pois", concluiu. "Tudo eu daria, minha vida e todos os meus haveres, para viver de novo naquele mundo. Que devo fazer?"

Ele veio a você, sem você o ter chamado, senhor. Você nunca o procurou. Enquanto você estiver procurando, não o terá nunca. Justamente o desejo de tornar a viver aquele estado extático, está impedindo a vinda do novo, a experiência nova daquela suprema felicidade. Veja o que aconteceu: você teve aquela experiência e está vivendo agora da lembrança morta de ontem. "O que foi" está impedindo a vinda do novo.

"Você quer dizer que devo pôr fora e esquecer tudo o que foi e ir arrastando de dia em dia minha insignificante existência, interiormente esfomeado?"

Se você não continuar a relembrar e a pedir mais — o que constitui um verdadeiro esforço — será então possível que aquela mesma coisa que escapa inteiramente ao nosso controle, atue por sua vontade própria. A avidez, mesmo com um alvo sublime, só pode gerar sofrimento; a ânsia de mais abre a porta do desejo. Aquela bem-aventurança não pode ser comprada com nenhum sacrifício, nenhuma virtude, e nenhuma droga. Ela não é uma recompensa, um resultado. Vem espontaneamente; não a busque.

"Mas aquela experiencia foi real, veio da esfera do Sublime?"

Sempre queremos que outra pessoa confirme um fato ocorrido, nos dê certeza a respeito dele, para ficarmos abrigados nesta certeza. Tornar-se certo ou seguro em relação ao que foi, ainda que tenha sido o Real, significa fortalecer o irreal e gerar a ilusão. Trazer para o presente o que passou — agradável ou desagradável — é fechar a porta ao Real. A Realidade não tem continuidade. Ela existe momento por momento; é atemporal, imensurável.

Krisnamurti

terça-feira, 20 de agosto de 2013

O nada que somos, realmente!

Não obstante, para ver claramente como a pseudo-entidade, ou o ego (que se supõe ser a causa e o objeto da suposta escravidão), surge, é necessário entender o processo conceitual da manifestação. O que somos Absolutamente, numenalmente, é unicidade-absoluto-subjetividade sem o mais leve toque de objetividade. A única forma em que isto-que-somos pode se manifestar é através do processo da dualidade, cujo começo é o movimento da consciência, o sentido de ‘eu sou’. Este processo de manifestação-objetivação, que estava totalmente ausente até agora, implica uma divisão em um sujeito que percebe e um objeto que é percebido; conhecedor e conhecido.

O númeno – pura subjetividade – deve permanecer sempre como o único sujeito. Portanto, os supostos conhecedor e conhecido são ambos objetos na consciência. Este é o fator essencial a ser lembrado. É apenas na consciência que este processo pode acontecer. Toda coisa imaginável – todo tipo de fenômeno – que nossos sentidos percebam e nossa mente interprete é uma aparição em nossa consciência. Cada um de nós existe apenas como um objeto, uma aparição na consciência de alguma outra pessoa. O conhecedor e o conhecido são objetos na consciência, mas (e este é o ponto importante no que diz respeito à pseudo-entidade) o que conhece o objeto presume que é o sujeito da cognição de outros objetos, em um mundo externo a si mesmo, e este sujeito que conhece considera sua pseudo-subjetividade como constituinte de uma entidade independente e autônoma – um ‘eu’ – com o poder de ação voluntária!

O princípio da dualidade, que começa com o sentido ‘eu sou’, e sobre o qual está baseada toda a manifestação fenomênica, é levado um passo além quando a pseudo-entidade, em seu papel como o pseudo-sujeito, inicia o processo de raciocínio ao comparar contrapartidas interdependentes e opostas (tais como bom e mau, puro e impuro, mérito e pecado, presença e ausência, grande e pequeno, etc.), e, depois disto, discrimina entre elas. Isto constitui o processo de concepção.

À parte desta divisão de sujeito e objeto, o processo da manifestação fenomênica depende do conceito básico de espaço e tempo. Na ausência do conceito de ‘espaço’, nenhum objeto poderia tornar-se visível com seu volume tridimensional; similarmente, na ausência do conceito relacionado de ‘tempo’, o objeto tridimensional não poderia ser percebido – nem qualquer movimento poderia ser medido – sem a duração necessária para fazer perceptível o objeto. O processo da manifestação fenomênica, portanto, acontece no espaço-tempo conceitual, no qual os objetos tornam-se aparências na consciência, percebidas e conhecidas pela consciência, através de um processo de concepção cuja base é a divisão em um pseudo-sujeito que percebe e um objeto percebido. O resultado da identificação com o elemento que conhece no processo de manifestação é a concepção da pseudopersonalidade com escolha de ação pessoal. E esta é toda a base da ‘escravidão’ ilusória.

Entenda todo o processo da manifestação fenomênica, diz Maharaj, não em partes ou fragmentos, mas em um momento de apercepção. O Absoluto, o númeno é o aspecto não-manifestado, e o fenômeno, o aspecto manifestado do que somos. Eles não são diferentes. Uma símile grosseira seria a substância e a sombra, exceto que o manifestado seria a sombra do não-manifesto sem forma! O númeno Absoluto é atemporal, ilimitado, não perceptível aos sentidos; os fenômenos estão limitados pelo tempo, com formas limitadas e perceptíveis pelos sentidos. Númeno é o que nós somos; fenômenos são o que parecemos ser como objetos separados na consciência. A identificação da unicidade (ou o sujeito) que nós somos com a separação em dualidade (ou o objeto) que nós parecemos ser constitui ‘escravidão’, e a desidentificação (desta identificação) constitui ‘liberação’. Mas ‘escravidão’ e ‘liberação’ são ilusórias, pois não existe tal entidade que está na escravidão e que deseja a libertação; a entidade é apenas um conceito que surgiu da identificação da consciência com um objeto visível que é, simplesmente, uma aparição na consciência!

"Sinais do Absoluto" - Ensinamentos de Sri Nisargadatta Maharaj. (Ramesh Balsekar)

sábado, 9 de março de 2013

Aprender com o conflito - J. Klein

Então, como acontece esta transformação, esta integração?

A mente deve chegar a um estado de silêncio, vazia completamente de medo, desejo e de todas as imagens. Isto não pode ser produzido pela supressão, mas pela observação de todo sentimento e pensamento sem qualificação, condenação, julgamento, ou comparação. Se a atenção desmotivada está para funcionar, o censor deve desaparecer. Deve existir apenas uma observação serena sobre o que a mente elabora. Ao descobrir os fatos como eles são, a agitação é eliminada, e o movimento dos pensamentos se torna lento; podemos observar cada pensamento, sua causa e conteúdo, à medida que surge. Nós nos tornamos conscientes de todo pensamento em sua integridade e, nesta totalidade, não pode existir conflito. Então apenas a atenção permanece, apenas o silêncio no qual não há nem observador nem observado. Portanto, não force sua mente. Apenas observe seus vários movimentos como você olharia o vôo dos pássaros. Neste olhar desanuviado, todas as suas experiências emergem e se aclaram. Pois a visão desmotivada não apenas gera tremenda energia, mas libera toda tensão, todas as várias camadas de inibições. Você vê a totalidade de si mesmo.

Observar tudo com plena atenção torna-se um modo de vida, um retorno a seu ser meditativo original e natural.

Como posso agir para não criar uma reação adicional, o carma?

Sempre que o amor e a bondade estão em seu coração, você terá a inteligência para saber o que fazer e quando – e como – agir. Quando a mente vê suas limitações, as limitações do intelecto, surgirão uma humildade e uma inocência que não são questão de cultura, acumulação ou aprendizado, mas resultado do entendimento instantâneo. No momento em que você vê seu desamparo, que nada funciona, chega ao ponto da rendição, a uma parada, onde você está em comunhão com o silêncio, a verdade derradeira. É esta realidade que transforma sua mente, não o esforço ou a decisão.

Creio conhecer algo de mim mesmo, tenho uma certa Consciência de minha força e debilidade psicológica, mas também sinto uma falta de satisfação perfeita; de outra forma, não estaria aqui. Há algo que possa fazer agora?

Se você observar, verá que é violento com sua percepção. Você interfere constantemente ao tentar controlá-la e dirigí-la. O controlador faz parte do que é controlado; ambos são objetos e um objeto não pode conhecer outro. Portanto, você deve progressivamente permitir que a percepção se expanda, dando-lhe a liberdade completa. Se você permitir que a percepção se expanda, cedo ou tarde ela o trará de volta para você mesmo. Deixe-a ir para que se revele a si mesma e o dinamismo para produzir desaparecerá.

Como aprender a partir do conflito?

Veja que você está condicionado na aceitação e na rejeição, pois não há nada para aceitar ou rejeitar. Na escuta total, a atenção sem memória, não há conflito. Há apenas visão. Na escuta silenciosa, o que é dito, o que é ouvido e o que surge como resposta e reação, está dentro de seu próprio Eu. Esta percepção da totalidade é a atenção real e não há nela nem problemas nem condicionamentos. Há simplesmente liberdade.

O que você quer dizer quando você diz que não há ator no fazer, falar ou escutar?

Na ação que surge da plenitude não há um ator no ato, há apenas ação. Você está funcionando e o “eu” está ausente. No momento em que o pensamento do “eu” aparece, você se torna autoconsciente e é dominado pelo conflito. Na ausência deste pensamento, não há nem quem fale nem quem escute, nenhum sujeito controlando um objeto. Somente então há harmonia completa e adequação a cada circunstância.

quinta-feira, 7 de março de 2013

A Semente da Consciência

O visitante confirmou que estava bastante claro para ele que não era meramente o corpo, mas alguma outra coisa que não o corpo, e, como estava claramente explicado no livro, que este algo devia ser o conhecimento ‘eu sou’, o sentido de ser. Mas, ele acrescentou, não podia entender o que se queria dizer com a sugestão de que ele deveria permanecer continuamente com o conhecimento ‘eu sou’. O que, exatamente, supunha-se que ele deveria fazer? “Por favor, Mestre” – disse a Maharaj –, “estou agora insuportavelmente cansado de palavras. Tenho-as lido e ouvido aos milhões e nada ganhei com elas. Conceda-me a substância agora, não meras palavras. Serei eternamente grato a você.

“Muito bem” – disse Maharaj – “Você terá a substância agora. Certamente, terei que usar palavras para comunicá-la a você.” Maharaj, então, prosseguiu: Se eu dissesse para inverter a marcha e voltar para a origem de seu ser, teria algum sentido para você?

Em resposta, o visitante disse que seu coração aceitou intuitivamente a verdade da afirmação de Maharaj, mas ele teria que se aprofundar no assunto.

Maharaj, então, disse-lhe que ele devia entender toda situação clara e instantaneamente; isto ele poderia fazer apenas se fosse à raiz do assunto. Ele deveria descobrir como o conhecimento ‘eu sou’ apareceu pela primeira vez. A semente é a coisa, disse Maharaj. Descubra a semente de seu ser, e você conhecerá a semente do universo inteiro.

quarta-feira, 6 de março de 2013

Sinais do Absoluto - N. Maharaj

Maharaj: Agora, diga-me, você está sentado diante de mim aqui e agora. O que exatamente pensa que ‘você’ é?

Visitante: Sou um ser humano do sexo masculino, quarenta e nove anos, com certas medidas físicas e certas esperanças e aspirações.

M: Qual sua imagem de si mesmo dez anos atrás? A mesma de agora? E quando você tinha dez anos de idade? E quando você era uma criança? E mesmo antes disto? Sua imagem de si mesmo não mudou o tempo todo?

V: Sim, o que considero como minha identidade mudou todo o tempo.

M: E, no entanto, não há alguma coisa, quando pensa sobre si mesmo – no fundo do coração –, que não mudou?

V: Sim, há, embora eu não possa especificar o que é exatamente.

M: Não seria o simples sentido de ser, o sentido de existir, o sentido de presença? Se você não estivesse consciente, seu corpo existiria para você? Haveria qualquer mundo para você? Teria, então, qualquer pergunta sobre Deus ou o Criador?

V: Isto, certamente, é algo a ponderar. Mas, diga-me, por favor, como você vê a si mesmo?

M: Eu sou este eu sou ou, se preferir, eu sou esse eu sou.

V: Desculpe-me, mas eu não entendi.

M: Quando você diz “eu penso que entendi”, está tudo errado. Quando você diz “eu não entendi”, isto é absolutamente verdadeiro. Deixe-me simplificar: eu sou a presença consciente – não esta pessoa ou aquela, mas Presença Consciente, como tal.

segunda-feira, 4 de março de 2013

A Simplicidade de Ser ... Jean Klein

Como posso recuar de minhas emoções, desejos e agitações de modo que eu possa manter-me na pura Consciência?

Você não pode manter-se na Consciência porque ela é o que você é. O que ela é e o que é você é a luz em toda percepção. Todos os objetos, todas as percepções dependem da luz, sua natureza real. Não podem existir sem perceber a luz. Eu chamo sujeito final a esta luz em todas as percepções. Está claro que não tem nada a ver com o sujeito, o “eu”, o qual passa por nós mesmos na relação sujeito-objeto. A percepção existe apenas porque você, luz, Consciência, sujeito final, ou como o quiser nomear, é. A percepção aparece e desaparece em você.

Desta forma, seja completamente consciente da percepção. Veja que ela existe no tempo e no espaço, enquanto você é atemporal. Espaço e tempo não são senão energia em movimento. Quando nenhum sujeito volitivo interfere para cristalizá-la, a percepção toma forma e então se desfaz de volta ao silêncio, pois o silêncio é contínuo, enquanto a percepção é descontínua. Portanto acentua o que percebe, o sujeito, não o percebido, o objeto. Em um primeiro momento você experimenta a Consciência silenciosa e, depois, a dissolução da percepção, mas, mais tarde, você será o silêncio tanto na presença como na ausência de objetos.

Como uma folha de papel em branco não é afetada pelo que você escreve sobre ela, da mesma forma a Consciência indiferente não é afetada pelos três estados de vigília, sono e sonho. Estes três estados são sobreposições à consciência pura.

Parece paradoxal que devamos ultrapassar um movimento no tempo para estabelecer-nos no que você chama de atemporalidade. Nós nos estabelecemos nela ou ela em nós?

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Modelo espectral da consciência de Ken Wilber


  1. Nível da Mente – trata-se da consciência universal, origem do espaço, tempo, matéria, energia, vida e consciência. Nas tradições espirituais é conhecida como Deus, Yavé, Tao, Brahman, consciência cósmica, Allah, entre outros nomes. É a base intemporal, holográfica e não-local de todos os fenômenos temporais, inclusive nossas mentes individuais. Por ser a origem de todas as coisas, este é o fundamento e o primeiro nível da consciência pessoal. Neste nível, pessoas que atingiram o despertar, se identificam com o todo e entram em comunhão com a energia básica do universo.
  2. Nível existencial – Trata-se de um movimento da mente cósmica rumo à diversificação, onde ela assume uma multiplicidade ilusória de formas, entre as quais a nossa consciência individual. Neste nível, a consciência cósmica dá lugar a divisões e dualidades que não são reais, mas apenas aparentes. Desta forma nos percebemos como uma consciência individual, separada da fonte, tal como uma onda que se sobressai no mar. Por meio desta diversificação, que percebemos como fragmentação, nos identificamos com  nosso organismo, criando uma identidade pessoal, gerando o nível existencial, e nele um  homem desindentificado com o cosmos ( Pierre Weil denomina este fenômeno de fantasia da separatividade e neurose do paraíso perdido ).
  3. Nível do Ego – A fragmentação continua, a ponto das pessoas sequer se identificarem com todo seu organismo. Deixamos o corpo de lado e passamos a nos identificar somente com nossa mente. Criamos uma oposição mente/ corpo. Não dizemos “eu sou um corpo”, mas “eu tenho um corpo”. E a esse “Eu” que “tem” um corpo, chamamos de ego. É o nascimento da oposição psique versus soma.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Universo Autoconsciente /A.Goswami

A Integração entre Ciência e Esptrttuahdade

Talvez a mais importante, e mais insidiosa, suposição que absorvemos na infância é que o mundo material de objetos existe lá fora—independente dos sujeitos, que são seus observadores. Há prova circunstancial em favor dessa suposição. Em todas as ocasiões em que olhamos para a Lua, por exemplo, nós a encontramos onde esperamos que esteja, ao longo de sua trajetória classicamente calculada. Naturalmente, projetamos que ela está sempre lá no espaço-tempo, mesmo quando não a estamos olhando. A física quântica diz que não. Quando não estamos olhando, a onda de possibilidade da Lua espalha-se, ainda que em um volume minúsculo. Quando olhamos, a onda entra em colapso imediato. Ela, portanto, não poderia estar no espaço-tempo. Faz mais sentido adaptar uma suposição metafísica idealista: não há objeto no espaço-tempo sem um sujeito consciente observando-o.

As ondas quânticas, portanto, são semelhantes a arquétipos platônicos no domínio transcendente da consciência, e as partículas que se manifestam quando as observamos são as sombras imanentes na parede da caverna. A consciência é o meio que produz o colapso da onda de um objeto quântico, que existe em potentia, tornando-a uma partícula imanente no mundo da manifestação. Esta é a metafísica idealista básica, que usaremos no tocante a objetos quânticos neste livro. Sob a iluminação dessa idéia simples, veremos que todos os paradoxos famosos da física quântica desaparecerão como o nevoeiro da manhã.

Notem que o próprio Heisenberg quase propôs a metafísica idealista quando introduziu o conceito áepotentia. O novo elemento importante é que o domínio áepotentia existe também na consciência. Nada existe fora da consciência. É de importância crucial essa visão monista do mundo.

A CIÊNCIA DESCOBRE A TRANSCENDÊNCIA

Até a atual interpretação da nova física, a ^údivmtranscendência raramente era mencionada no vocabulário dessa disciplina. O termo era mesmo considerado herético (o que acontece ainda, até certo ponto) para os praticantes clássicos, obedientes à lei de uma ciência determinista, de causa e efeito, em um universo que funcionava como um mecanismo de relógio.

Para os filósofos romanos da Antiguidade, transcendência significava "o estado de estender-se ou situar-se além dos limites de toda experiência e conhecimento possíveis", ou de "estar além da compreensão". Para os idealistas monistas, analogamente, transcendência implicava isto não, nada conhecido. Hoje, a ciência moderna está se aventurando por reinos que durante mais de quatro milênios foram os feudos da religião e da filosofia. Será o universo apenas uma série de fenômenos objetivamente previsíveis, que a humanidade observa e controla, ou será muito mais esquivo e até mais maravilhoso.'' Nos últimos 300 anos, a ciência tornou-se o critério indisputado da realidade. Temos o privilégio de fazer parte desse processo evolucionário e transcendente, através do qual a ciência muda não só a si mesma como nossa perspectiva da realidade.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

O que é liberdade? Krishnamurti

O que é liberdade?

Muitos filósofos têm escrito sobre a liberdade. Falamos sobre liberdade — liberdade para fazer o que quisermos, para ter o emprego de que gostamos, liberdade para escolher uma mulher ou um homem, liberdade para ler qualquer livro, ou liberdade para não ler absolutamente nada. Somos livres, e o que fazemos com essa liberdade? Usamos essa liberdade para nos expressarmos, para fazer aquilo de que gostamos. A vida está se tornando cada vez mais permissiva — você pode fazer amor no parque ou no jardim.

Temos toda espécie de liberdade, e o que temos feito com ela? Pensamos que onde há escolha há liberdade. Eu posso ir à Itália ou à França: é uma escolha. Mas a escolha dá liberdade? Por que temos que escolher? Se você é realmente lúcido, tem uma compreensão exata das coisas, não há escolha. Disso resulta uma ação correta. Apenas quando há dúvida e incerteza é que começamos a escolher. A escolha, então, se vocês me permitem dizê-lo, constitui um empecilho para a liberdade.

Nos estados totalitários não há liberdade alguma, pois eles têm a idéia de que a liberdade produz a degeneração do homem. Portanto, eles controlam, reprimem — vocês sabem o que está acontecendo.

Então, o que é liberdade? É algo que se baseia na escolha? É fazer exatamente o que queremos? Alguns psicólogos dizem que, se você sente alguma coisa, não deve reprimi-la ou controlá-la, mas deve expressá-la imediatamente. Jogar bombas é liberdade? — veja apenas a que reduzimos a nossa liberdade!

A liberdade está lá fora, ou aqui dentro? Onde você começa a procurar pela liberdade? No mundo exterior — onde você expressa o que quer que você queira, a tal liberdade individual — ou a liberdade começa dentro de você, para então se expressar inteligentemente fora de você? Compreendeu a minha pergunta? A liberdade só existe quando não há confusão dentro de mim, quando, psicologicamente, religiosamente, não há o perigo de eu cair em nenhuma armadilha — você entende? As armadilhas são inúmeras: gurus, sábios, pregadores, livros excelentes, psicólogos e psiquiatras — tudo armadilhas. E se estou confuso e há desordem, não preciso, primeiro, me livrar dessa desordem antes de falar em liberdade? Se não tenho nenhum relacionamento com minha mulher, com meu marido, ou com outra pessoa — porque nossos relacionamentos são baseados em imagens — surge o conflito, que é inevitável onde há divisão. Então, não deveria eu começar por aqui, dentro de mim, na minha mente, no meu coração, a ser totalmente livre de todos os medos, ansiedades, desesperos, e das mágoas e feridas de que sofremos por causa de alguma desordem psíquica? Observe tudo por si mesmo e livre-se disso!

Mas, aparentemente, nós não temos energia. Nós nos dirigimos aos outros para que nos dêem energia. Falando com o psiquiatra nós nos sentimos aliviados — a confissão e tudo o mais. Sempre dependendo de alguma outra pessoa. E essa dependência, inevitavelmente, causa conflito e desordem. Então, temos de começar a compreender a profundeza da liberdade; precisamos começar com aquilo que está mais perto: nós mesmos. A grandeza da liberdade, a verdadeira liberdade, a dignidade, a sua beleza, está em nós mesmos quando a ordem é completa. E essa ordem só vem quando somos uma luz para nós mesmos.

Krishnamurti