quarta-feira, 23 de março de 2011

A Resignação - (F.H,-J. Boehme)

FRANZ HARTMANN - (J.Boehme)

Perceber essa verdade; saber que uma personalidade limitada, sujeita às condições do tempo e do espaço, não pode abarcar a alegria e a sabedoria infinita, é evidenciar que todas as tentativas de adquirir a sabedoria divina, na medida em que se liga ao eu, não é bem sucedida. De fato, ninguém deve buscar o conhecimento espiritual com o propósito de render a si mesmo, mas deve procurar morrer com o Cristo, ou seja, tornar-se inteiramente um com a verdade; já não é ele quem vive, mas a verdade vive nele. Não se deve buscar o reconhecimento, a renovação ou a satisfação, mas orar para que seu conhecimento lhe seja arrancado de si, a menos que ele leve à glorificação de Deus nele. Em resumo, ele não deve desejar se tornar nada, mas deve ser o novo conhecimento, alegria, sabedoria e a glória. Boehme diz:
"Eu nunca desejei saber nada sobre os mistérios divinos, nem compreendo como posso busca-los ou encontrá-los. Tudo o que busquei foi o coração de Jesus Cristo (o centro da verdade), onde devo me ocultar e encontrar a proteção da temível cólera de Deus; peço a Deus sinceramente que me conceda o Seu Espírito Santo e a Misericórdia, que Ele possa me abençoar, conduzir e afastar de mim tudo o que nos separa, a fim de que eu não viva em minha vontade própria, mas na Dele. Engajado nessa busca e nesse desejo sincero, a porta me foi aberta, de modo que em um quarto de hora, vi e aprendi mais do que se estivesse estudado por muitos anos nas universidades." (Cartas, XII 6,7).

"Não sou um mestre da literatura ou das ciências deste mundo, mas um homem de mente simples. Nunca desejei aprender ciência alguma, mas desde tenra idade busquei a salvação de minha alma, e descobrir como poderia herdar ou possuir o reino do céu. Encontrei em meu interior um poderoso contrarium, ou seja, os desejos pertencentes ao corpo e ao sangue; Ingressei numa árdua batalha contra a minha natureza corrupta, e com o auxílio de Deus, decidi superar a vontade demoníaca que havia herdado, vencê-la e penetrar totalmente no amor de Deus no Cristo. Daquele momento em diante, resolvi considerar-me como um morto quanto a minha forma herdada, até que o Espírito de Deus tomasse forma em mim, para que Nele e através Dele, pudesse conduzir a minha vida. Isso era praticamente impossível, mas permaneci firme em minha sincera resolução, travando uma dura batalha contra mim mesmo. Enquanto buscava e lutava, com o auxílio de Deus, uma luz maravilhosa surgiu em minha alma. Era uma luz completamente estranha à minha natureza descontrolada; nela reconheci a verdadeira natureza de Deus e do homem, a relação existente entre eles, algo que nunca havia compreendido, e que nunca teria buscado". (Tilk. 20-26).

A compreensão da verdade de que nada somos, mas que Deus é tudo, é o princípio da verdadeira fé, que forma a base do verdadeiro conhecimento e o primeiro passo no caminho do desenvolvimento espiritual.
Querer, desejar, saber, depositar a vontade, não fazer nada além do que Deus quer, deseja, sabe ou faz no homem e através do homem é a verdadeira resignação; é a mais profunda humildade para a mente carnal; é, ao mesmo tempo, a glorificação de Deus no homem, e portanto o estado mais elevado que se pode alcançar.

"Espero continuamente pelo meu Redentor, desejando me submeter inteiramente à Ele, seja o que quer que Ele faça. Se Ele quiser que eu saiba qualquer coisa, então quero saber; mas se Ele não quer, então não desejo saber. Nele coloquei a minha vontade, meu conhecimento, minha ciência, meu desejo e a minha realização". (Cartas, VIII.60).

"Centenas de vezes já orei à Deus, implorando para que Ele tirasse de mim todo conhecimento, caso esse não servisse para a Sua glorificação e para o melhoramento das condições de meus irmãos, e para que Ele apenas me mantivesse junto ao Seu amor. Mas quanto mais eu oro, mais o fogo interno se inflama, e em tal estado de ignição registro meus escritos". (Cartas, XII.60).

Só a iluminação interior da mente pela luz da Verdade eterna e nenhum outro estado ou condição, constitui a verdadeira teosofia. Não se trata de aprendizagem intelectual de qualquer espécie, nem de moralidade, nem em ser piedoso ou virtuoso, nem de pertencer à qualquer Igreja ou sociedade, nem em humanitarismo, ou em qualquer coisa que possa ser realizado pelo homem; a teosofia é o auto conhecimento de Deus no homem, a iluminação da mente pela luz do Cristo, a própria Verdade eterna. Não é um "ramo da teologia" como afirmam alguns, nem um sistema de pensamento, nem uma escola, onde segredos desconhecidos são revelados, mas trata-se da própria sabedoria divina, sem qualquer outra qualificação. Está muito além de qualquer concepção meramente humana, inconcebível ao intelecto racional, e, portanto não pode ser explicada. É o que há de mais secreto, o que não pode ser conhecido por ninguém, senão por aquele que a experienciou; aquele que vive inteiramente no reino da animalidade ou no intelecto especulativo, não acredita que tal estado seja possível; de fato, ele é inatingível para qualquer pessoa; pois aquele que a penetra, deixa de ser uma pessoa, exceto no que diz respeito à sua aparência e forma externa, ou seja, todo sentido de personalidade se perde, deixando-se de existir no campo de sua consciência interior.

Torna-se desnecessário repetir que este estado não pode ser penetrado pelo exercício da vontade própria do homem animal; nem pode ser produzido para ele através de algum estudo intelectual; não depende de sua condição social, educação, profissão, ou qualificações na vida, mas chega ao homem única e exclusivamente através da misericórdia e graça de Deus. Isso significa a presença da luz divina, presença que depende da própria presença. Boehme diz:

"Agrada ao Supremo revelar seus segredos através do tolo, olhado pelo mundo como sendo um nada; percebe-se que seu conhecimento não procede destes tolos, mas Dele. Portanto, peço que considerem meus escritos como sendo os de uma criança a quem o Supremo manifestou Seu poder. Há tanto dentro deles, que nenhum tipo ou quantidade de argumentação ou raciocínio pode compreender ou alcançar; mas para os iluminados pelo Espírito, sua compreensão é fácil, e não passa de uma brincadeira de criança". (Cartas, XV 10).

"O entendimento nasce de Deus. Não é produto de escolas onde a ciência humana é ensinada. Não condeno o aprendizado intelectual, e se eu tivesse obtido uma educação mais elaborada, com certeza isso seria uma vantagem para mim, quando minha mente recebia o dom divino; mas agrada à Deus, transformar a sabedoria deste mundo em tonteira, e dar Sua força ao fraco, a fim de que todas as coisas se curvem diante Dele". (Forty Questions, XXXVII 20).

O intelecto racional nada tem haver com as percepções naturais, mas é usado para trazer as idéias recebidas da percepção clara da verdade numa forma requisitada; e como a mente está numa posição mais elevada do que a condição normal, é comum acontecer que ao retornar ao estado inferior ela não compreenda, e nem mesmo se lembre das idéias expressadas durante aquele intervalo.

"Digo isso diante de deus, e testemunho diante de Seu julgamento, onde todas as coisas devem aparecer, que no meu eu humano, nada sei do que devo escrever; mas quando escrevo o Espírito dita aquilo que devo escrever, e me mostra tudo com tão maravilhosa clareza, que nunca sei se tenho minha consciência neste mundo ou não. Quanto mais eu busco, mais eu encontro, estou continuamente penetrando mais profundamente; sempre penso que minha pessoa pecadora era muito inferior e indigna para receber o conhecimento de mistérios tão exaltados e elevados; mas em tais momentos, o Espírito levanta o seu estandarte, dizendo: "Olhe! Aqui deves viver eternamente e ser coroado. Por que estais aterrorizado?" (Cartas, II. 10).

"Algumas vezes posso escrever com mais elegância e com um melhor estilo, mas o fogo que queima dentro de mim, me impulsiona. Minha mão e minha caneta tentam seguir os pensamentos, da melhor forma possível. A inspiração vem como uma chuva abundante. Aquilo que alcanço, eu tenho. Se fosse possível alcançar e descrever tudo o que percebo, meus escritos seriam mais explícitos". (Cartas,X45).

Compreendemos come essas palavras, que as obras verdadeiramente inspiradas são bem diferentes daquelas produzidas por meio comum; no primeiro caso, o visionário percebe as verdades que irá expressar, enquanto que no segundo caso o intermediário é ainda uma máquina inconsciente, ou sente uma inspiração sem conhecer a natureza da fonte de onde surgem.

Não se deve supor que uma pessoa, enquanto habitar um corpo físico, dependente, até certo ponto, das condições externas, poderia estar o tempo todo num estado espiritual superior, necessário para perceber a glória eterna do reino de Deus em sua plenitude; mas deve haver, necessariamente, um retorno do estado inferior de consciência. Boehme diz:

"Assim como o relâmpago surge no centro, e num momento desaparece novamente, o mesmo ocorre com a alma. Quando durante sua batalha ela penetra as nuvens, vê a face de Deus como um raio de luz; mas as nuvens do pecado logo se juntam à sua volta, encobrindo sua vista". (Aurora, XI. 76).

"Parte da natureza da alma tem sua origem na natureza, parte em Deus. Na natureza há o bem e o mal; o homem, através de suas tendências pecadoras, tornou-se sujeito ao que é ígneo na natureza; sua alma tornou-se diária e a cada momento marcada pelo pecado. Portanto, o poder da alma de reconhecer a verdade eterna não é perfeita". (Aurora, Prefácio, 100).

"Enquanto Deus me guia com Sua mão protetora, entendo aquilo que escrevi; mas quando Ele se oculta, não reconheço meu próprio trabalho; isso prova a impossibilidade de penetrar os mistérios de Deus sem o auxílio do Espírito Santo". (Cartas, X. 29).

Se a mente carnal não pode compreender a linguagem do Espírito, como então poderia chegar a um verdadeiro reconhecimento da verdade através de seu próprio raciocínio? Tal raciocínio chega, na melhor das hipóteses, a uma opinião sobre o que a verdade não é, mas não a uma percepção do que ela é. Quem quiser compreender tais escritos, deve penetrar o espírito do autor. O raciocínio puro não irá ajudar.

"Esses escritos transcendem o horizonte do raciocínio intelectual, e seu significado interior não pode ser alcançado através da especulação e da argumentação; é preciso que a mente esteja num estado semelhante à Deus, iluminado pelo Espírito da Verdade". (Cartas, XVIII. 9). (4)

"Se alguém deseja me seguir na ciência das coisas, das quais escrevo, que sigam os vôos de minha alma e não os de minha caneta." (Three Principles, XXIV. 2).

Esse vôo para as regiões da liberdade eterna é impossível para aquele que está amarrado com as correntes forjadas pela ilusão do "eu"; inatingível para aqueles que buscam um conhecimento de Deus, a fim de satisfazerem suas curiosidades, ou com algum outro objetivo egoísta.

"Acima de tudo, examine consigo mesmo, o propósito de conhecer os mistérios de Deus, e se estais preparado a empregar aquilo que receber para a glorificação de Deus e para o benefício do próximo. Você está pronto para morrer inteiramente para sua vontade terrestre e egoísta, e desejas, sinceramente ser um com o Espírito? Aquele que não tiver tais propósitos elevados, e busca apenas um conhecimento que satisfaça o seu eu, ou para ser admirado pelo mundo, não está apto a receber tal conhecimento". (Clavis, II. 3).

Esse estado não é atingido sem dura batalha contra os poderes das trevas.

"Se alguém deseja me seguir, que não seja intoxicado pelos pensamentos e desejos terrestres, mas que seja cingido pela espada do Espírito, pois terá que descer à terrível profundidade, por não dizer ao meio do reino do inferno. É muito duro lutar contra o demônio entre o céu e a terra, por ele ser um poderoso senhor. Durante tais batalhas passei por experiências amargas, que encheram meu coração de dor. Freqüentemente o sol desaparecia da minha vista, mas depois surgia novamente e quanto mais o sol se punha, mais lindo, claro e magnífico era o seu raiar". (Aurora, XIII. 20).

Aquele que não deseja nada para si mesmo, a ele tudo será dado. O infinito não pode ser contraído, a fim de ser compreendido pela mente finita do homem; a mente do homem é que deve se expandir através do poder do Espírito, tornando-se consciente de sua infinidade e assim irá conceber a verdade infinita.

"O conhecimento espiritual não pode ser comunicado de um intelecto para outro, mas deve ser buscado no Espírito de Deus. Na verdade, os escritos teosóficos irão até mesmo transmitir ao intelecto, algum raio de reconhecimento; mas se o leitor for considerado indigno, por Deus, de ter a luz divina inflamada em sua própria alma, então ele só ouvirá as inexprimíveis palavras de Deus". (Cartas, IV. 8).

"Quem lê esses escritos e não pode compreendê-los, não deve colocá-los de lado, imaginando que nunca serão compreendidos. Deve buscar mudar a sua vontade, elevar sua alma à Deus, rogando-lhe a graça e a compreensão, e então ler novamente. Com certeza, irá perceber mais verdade do que antes, até que por fim o poder da vontade de Deus se manifeste nele, atraindo-o para as profundezas, para o fundamento supranatural – isto é dizer, na eterna unidade de Deus. Então ele irá ouvir as reais mas inexprimíveis palavras de Deus, que irão conduzi-lo através da radiação divina da luz celestial, mesmo com as formas mais grotescas da matéria terrestre, e daí novamente de volta para Deus; e o Espírito de Deus irá buscar todas as coisas nele e com ele". (Clavis, Prefácio, 5). (5)


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