domingo, 27 de março de 2011

O sétimo vale ou o Vale da Privação e da Morte

A Conferência dos Pássaros - Farid Ud-Din Attar

A Poupa continuou:
“O último de todos, o Vale da Privação e da Morte, é quase impossível descrever. A essência desse vale é o esquecimento, a mudez, a surdez e a confusão; as mil sombras que te cercam desaparecem num único raio do sol celestial. Quando o oceano da imensidade começa a arfar, o modelo à superfície perde a forma; e esse modelo não é mais que o mundo presente e o mundo por vir. Quem declara que não existe acumula grandes méritos. A gota que se torna parte do imenso oceano, mora lá para sempre e em paz. Nesse mar calmo, o homem a princípio só experimenta humilhação e destruição; mas quando emergir desse estado, compreendê-lo-á como criação, e muitos segredos lhe serão revelados.
“Muitos seres deixaram de dar o primeiro passo, e, assim, não puderam dar o segundo — só podem comparar-se a minerais. Reduzidos a cinzas, o agáloco e os espinhos parecem iguais — mas sua qualidade é diferente. Um objeto impuro caído numa água de rosas continua impuro em consequência de suas qualidades inatas; mas um objeto puro jogado no oceano perderá sua existência específica e participará do oceano e do seu movimento. Embora deixe de existir separadamente, conserva a beleza. Existe e não existe. Como pode ser isso? À mente não é dado concebê-lo.”

O conselho de Nassir Uddin

O amado de Tus, oceano de segredos espirituais, disse a um discípulo:
“Derrete-te no fogo do amor até te tornares fino como um fio de cabelo e estarás apto a tomar o teu lugar entre as madeixas da tua amada. Se os teus olhos estiverem voltados para o caminho e fores clarividente, contempla e pondera fio por fio de cabelo.

“Quem deixa o mundo para seguir o Caminho encontra a morte: quem encontra a morte, encontra a imortalidade. Ó coração, se tiveres sido virado do avesso, cruza a ponte Sirat e o fogo abrasador; pois quando se queima, o óleo da lâmpada produz uma fumaça tão negra quanto um velho corvo, mas, depois de consumido pelo fogo, deixa de ter uma existência grosseira.

“Se quiseres chegar àquela eminência, desfaz-te de ti mesmo; em seguida, sai do nada como outro Borak. Cinge a khirka do nada e bebe a taça da aniquilação; em seguida, cobre o peito com o cinto do apoucamento e põe na cabeça o albornoz da inexistência. Coloca o pé no estribo do desapego e impele o teu corcel inútil rumo ao lugar onde não há nada. Mas se subsistir em ti o menor egoísmo, os sete mares estarão, para ti, cheios de adversidade.”

A história das mariposas

Certa noite, as mariposas se reuniram, atormentadas pelo desejo de se juntarem à vela. Disseram:
“Precisamos mandar alguém à procura de informações sobre o objeto da nossa busca amorosa”.

Em vista disso, uma delas partiu. Chegou a um castelo e, dentro dele, viu a luz de uma vela. Regressou e relatou, segundo a sua compreensão, tudo o que vira. Mas, no entender da sábia mariposa que presidia à reunião, ela não percebera coisa alguma da vela. Nessas condições, outra mariposa seguiu caminho do castelo. Tocou a chama com a ponta das asas, mas o calor a fez recuar. Como o seu relatório não fosse mais satisfatório que o da primeira, a terceira mariposa partiu. Esta, bêbada de amor, atirou-se à chama; empolgou-a com as patas dianteiras e uniu-se alegremente a ela. Abraçou-a toda, e seu corpo ficou vermelho como o fogo. A mariposa sábia, que observava a cena de longe, ao ver que a chama e a mariposa pareciam uma só, disse:
“Ela aprendeu o que desejava saber; mas só ela compreende, e nada mais se pode dizer”.

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