A Conferência dos Pássaros-Farid Ud-Din Attar
A Poupa continuou:
“Depois do vale de que vos falei vem outro — o Vale da Compreensão, sem começo nem fim. Nenhum caminho é igual a esse, e a distância que há de ser percorrida para atravessá-lo desafia qualquer cálculo.
“A compreensão, para cada viandante, é duradoura; mas o conhecimento é temporário. A alma, como o corpo, se acha em estado de progresso ou declínio; e o Caminho Espiritual só se revela na medida em que o viajor supera suas faltas e fraquezas, seu sono e sua inércia. Cada qual chegará mais perto da própria meta de acordo com o seu esforço. Ainda que voasse com toda a força que possui, poderia um mosquitinho igualar a velocidade do vento? Há diferentes modos de cruzar esse vale, e nem todos os pássaros voam do mesmo jeito. A compreensão pode ser alcançada de várias maneiras — alguns encontraram o Mihrab, outros o ídolo. Quando o sol da compreensão alumia essa estrada, cada qual recebe luz de acordo com o seu mérito e chega à etapa que lhe foi destinada na compreensão da verdade. Quando se lhe revela claramente o mistério da essência dos seres, a fornalha deste mundo se transmuda em jardim de flores. Quem se esforça verá a amêndoa na casca dura. Já não se preocupa consigo mesmo, mas ergue a vista para o rosto do amigo. Em cada átomo verá o todo; e meditará sobre milhares de segredos brilhantes.
“Mas, para cada um que encontrou os mistérios, quantos não terão perdido o caminho nessa busca! É necessário que seja profundo e duradouro o desejo de nos tornarmos o que devemos ser, a fim de cruzarmos esse dificultoso vale. Assim que tiverdes provado os segredos, tereis o desejo verdadeiro de compreendê-los. Mas, seja o que for que possais atingir, nunca vos esqueçais das palavras do Corão: ‘Há mais alguma coisa?’
“Quanto a ti, que estás dormindo (e não posso louvar-te por isso), por que não vestes luto? Tu, que não viste a beleza do teu amigo, levanta-te e procura! Por quanto tempo ainda ficarás como estás, como burro sem cabresto?”
Lágrimas de pedra
Há um homem na China que coleciona pedras sem cessar. Derrama lágrimas copiosas e, à medida que caem ao chão, as lágrimas se transformam em pedras, que ele volta a ajuntar. Se as nuvens chorassem lágrimas como estas, haveria matéria de muita tristeza e dor.
O verdadeiro conhecimento torna-se propriedade do verdadeiro buscador. Se for preciso procurar o conhecimento na China, vai até lá. Mas o conhecimento é distorcido pela mente formal, petrifica-se, como as pedras. Por quanto tempo ainda há de ser mal compreendido o conhecimento verdadeiro? Este mundo, esta casa de tristezas, está no escuro; mas o verdadeiro conhecimento é uma jóia, arderá qual lâmpada e guiar-te-á neste lugar sombrio. Se desprezares a jóia, serás para sempre presa do arrependimento. Se ficares para trás, chorarás lágrimas amargas. Mas se dormires pouco de noite e jejuares de dia, talvez encontres o que procuras. Procura, pois, e perde-te na procura.
O amante adormecido
Um amante desassossegado, com a mente conturbada, exausto de tanto suspirar, caiu no sono sobre uma sepultura. Encontrando-o adormecido, sua amada, que andava a procurá-lo, escreveu uma nota e pregou-a na capa do amante. Quando este acordou e leu o que ela escrevera, gemeu, angustiado; a nota rezava:
“Ó homem néscio! Ergue-te! Se fores mercador, mercadeja e ganha dinheiro; se fores asceta, desperta de noite, ora a Deus e sê seu escravo. Mas se fores amante, envergonha-te. Que tem que ver o sono com os olhos do amante? De dia, mede o vento; à noite, o coração em chamas ilumina-lhe o rosto com o fulgor da lua. Como não és esse homem, não digas mais que me amas. Se um homem for capaz de dormir em outro lugar que não o seu sudário, posso chamar-lhe amante — porém de si mesmo”.
A sentinela apaixonada
Um soldado estava apaixonado. Mesmo que não estivesse de guarda, não conseguia descansar. Afinal, um amigo implorou-lhe que dormisse umas poucas horas. Contraveio o soldado:
“Sou uma sentinela e estou apaixonado. Como posso descansar? Um soldado em serviço não pode dormir, de modo que é uma vantagem para ele estar apaixonado. Todas as noites o amor me põe à prova, e assim me mantenho desperto e fico de guarda no forte. O amor é amigo da sentinela, pois a vigília passa a fazer parte dela; quem chega a esse estado estará sempre de guarda”.
Não durmas, ó homem, se estás forcejando por lograr o conhecimento de ti mesmo. Guarda bem a fortaleza do teu coração, pois há ladrões em toda parte. Não consintas que os bandidos roubem a jóia que carregas. O verdadeiro conhecimento virá para quem se mantém acordado. Aquele que fica pacientemente de guarda saberá quando Deus se chegar a ele. Os verdadeiros amantes que desejam entregar-se à embriaguez do amor separam-se juntos. Quem tem o amor espiritual tem nas mãos as chaves dos dois mundos. Quem é mulher torna-se homem; quem é homem torna-se um oceano profundo.
Mahmud e o idiota de Deus
Um dia, no deserto, Mahmud avistou um faquir com a cabeça dobrada pela dor e as costas arqueadas pelo sofrimento. Quando o sultão se dirigiu a ele, o homem rechaçou-o, desabrido:
“Vai-te embora, ou te moerei de pancadas. Digo-te que vás embora, pois não és monarca nenhum, senão um homem de pensamentos vis, um infiel na graça de Deus”.
Mahmud respondeu-lhe com aspereza:
“Fala comigo como se deve falar a um sultão e não dessa maneira”.
“Se soubesses, ó ignorante”, replicou o faquir, “como estás virado do avesso, não haveria terra nem cinzas que te bastassem; lastimar-te-ias sem parar e atearias fogo à cabeça.”
A Poupa continuou:
“Depois do vale de que vos falei vem outro — o Vale da Compreensão, sem começo nem fim. Nenhum caminho é igual a esse, e a distância que há de ser percorrida para atravessá-lo desafia qualquer cálculo.
“A compreensão, para cada viandante, é duradoura; mas o conhecimento é temporário. A alma, como o corpo, se acha em estado de progresso ou declínio; e o Caminho Espiritual só se revela na medida em que o viajor supera suas faltas e fraquezas, seu sono e sua inércia. Cada qual chegará mais perto da própria meta de acordo com o seu esforço. Ainda que voasse com toda a força que possui, poderia um mosquitinho igualar a velocidade do vento? Há diferentes modos de cruzar esse vale, e nem todos os pássaros voam do mesmo jeito. A compreensão pode ser alcançada de várias maneiras — alguns encontraram o Mihrab, outros o ídolo. Quando o sol da compreensão alumia essa estrada, cada qual recebe luz de acordo com o seu mérito e chega à etapa que lhe foi destinada na compreensão da verdade. Quando se lhe revela claramente o mistério da essência dos seres, a fornalha deste mundo se transmuda em jardim de flores. Quem se esforça verá a amêndoa na casca dura. Já não se preocupa consigo mesmo, mas ergue a vista para o rosto do amigo. Em cada átomo verá o todo; e meditará sobre milhares de segredos brilhantes.
“Mas, para cada um que encontrou os mistérios, quantos não terão perdido o caminho nessa busca! É necessário que seja profundo e duradouro o desejo de nos tornarmos o que devemos ser, a fim de cruzarmos esse dificultoso vale. Assim que tiverdes provado os segredos, tereis o desejo verdadeiro de compreendê-los. Mas, seja o que for que possais atingir, nunca vos esqueçais das palavras do Corão: ‘Há mais alguma coisa?’
“Quanto a ti, que estás dormindo (e não posso louvar-te por isso), por que não vestes luto? Tu, que não viste a beleza do teu amigo, levanta-te e procura! Por quanto tempo ainda ficarás como estás, como burro sem cabresto?”
Lágrimas de pedra
Há um homem na China que coleciona pedras sem cessar. Derrama lágrimas copiosas e, à medida que caem ao chão, as lágrimas se transformam em pedras, que ele volta a ajuntar. Se as nuvens chorassem lágrimas como estas, haveria matéria de muita tristeza e dor.
O verdadeiro conhecimento torna-se propriedade do verdadeiro buscador. Se for preciso procurar o conhecimento na China, vai até lá. Mas o conhecimento é distorcido pela mente formal, petrifica-se, como as pedras. Por quanto tempo ainda há de ser mal compreendido o conhecimento verdadeiro? Este mundo, esta casa de tristezas, está no escuro; mas o verdadeiro conhecimento é uma jóia, arderá qual lâmpada e guiar-te-á neste lugar sombrio. Se desprezares a jóia, serás para sempre presa do arrependimento. Se ficares para trás, chorarás lágrimas amargas. Mas se dormires pouco de noite e jejuares de dia, talvez encontres o que procuras. Procura, pois, e perde-te na procura.
O amante adormecido
Um amante desassossegado, com a mente conturbada, exausto de tanto suspirar, caiu no sono sobre uma sepultura. Encontrando-o adormecido, sua amada, que andava a procurá-lo, escreveu uma nota e pregou-a na capa do amante. Quando este acordou e leu o que ela escrevera, gemeu, angustiado; a nota rezava:
“Ó homem néscio! Ergue-te! Se fores mercador, mercadeja e ganha dinheiro; se fores asceta, desperta de noite, ora a Deus e sê seu escravo. Mas se fores amante, envergonha-te. Que tem que ver o sono com os olhos do amante? De dia, mede o vento; à noite, o coração em chamas ilumina-lhe o rosto com o fulgor da lua. Como não és esse homem, não digas mais que me amas. Se um homem for capaz de dormir em outro lugar que não o seu sudário, posso chamar-lhe amante — porém de si mesmo”.
A sentinela apaixonada
Um soldado estava apaixonado. Mesmo que não estivesse de guarda, não conseguia descansar. Afinal, um amigo implorou-lhe que dormisse umas poucas horas. Contraveio o soldado:
“Sou uma sentinela e estou apaixonado. Como posso descansar? Um soldado em serviço não pode dormir, de modo que é uma vantagem para ele estar apaixonado. Todas as noites o amor me põe à prova, e assim me mantenho desperto e fico de guarda no forte. O amor é amigo da sentinela, pois a vigília passa a fazer parte dela; quem chega a esse estado estará sempre de guarda”.
Não durmas, ó homem, se estás forcejando por lograr o conhecimento de ti mesmo. Guarda bem a fortaleza do teu coração, pois há ladrões em toda parte. Não consintas que os bandidos roubem a jóia que carregas. O verdadeiro conhecimento virá para quem se mantém acordado. Aquele que fica pacientemente de guarda saberá quando Deus se chegar a ele. Os verdadeiros amantes que desejam entregar-se à embriaguez do amor separam-se juntos. Quem tem o amor espiritual tem nas mãos as chaves dos dois mundos. Quem é mulher torna-se homem; quem é homem torna-se um oceano profundo.
Mahmud e o idiota de Deus
Um dia, no deserto, Mahmud avistou um faquir com a cabeça dobrada pela dor e as costas arqueadas pelo sofrimento. Quando o sultão se dirigiu a ele, o homem rechaçou-o, desabrido:
“Vai-te embora, ou te moerei de pancadas. Digo-te que vás embora, pois não és monarca nenhum, senão um homem de pensamentos vis, um infiel na graça de Deus”.
Mahmud respondeu-lhe com aspereza:
“Fala comigo como se deve falar a um sultão e não dessa maneira”.
“Se soubesses, ó ignorante”, replicou o faquir, “como estás virado do avesso, não haveria terra nem cinzas que te bastassem; lastimar-te-ias sem parar e atearias fogo à cabeça.”
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